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Um Olhar Maníaco Sobre: O Feminino e o Feminista em Outlander


Uma mulher é a protagonista de uma história. Ela quer enfrentar as dificuldades do meio em que se encontra. No entanto, sozinha, ela é indefesa. Surge uma figura masculina que faz seu desejo e suas emoções se exaltarem. Ele a protege de tudo e todos. Ele se torna o instrumento que possibilita sua sobrevivência e sua vida plena. Quando em contato com outras mulheres, ela retrata a importância, a beleza e o tesão que seu parceiro personifica. Ele não é somente seu parceiro, é um verdadeiro herói. Ela vive a vida dele e coloca a sua em segundo plano. Ela abre mão das características mais intrínsecas de seu ser para que possa viver ao lado dele. Ela se submete aos pedidos e vontades dele. Ela não é um ser, de fato, mas apenas um acessório que respira ao lado do parceiro. Pode parecer estranho começar um texto sobre a figura feminina e sobre o feminismo dessa forma, no entanto é necessário, pois esse é o perfil psicológico vendido por várias comédias, dramas e romances da TV. Muitas vezes, a mulher é vista como incompleta enquanto não encontrar o homem que ama e a preenche. E isso é injusto e rebaixante perante a complexidade e grandiosidade que é representada em uma mulher real, que trabalha, tem vida social, aspira ou tem família e deseja equilibrar todos os aspectos conflitantes que compõem seu ideal de felicidade. E, por isso, Outlander se tornou tão importante e íntima para o público feminino: não é a história de uma heroína clássica, mas sim a narrativa de uma mulher com qualidades e defeitos, que acerta e erra, mas que deseja encontrar a forma mais plena de viver sua vida.


Quando o desenvolvimento de uma série baseada nos livros da série Outlander, de Diana Gabaldon, foi anunciado, eu parei por certos instantes e pensei no perigo que isso representava. Acostumado a acompanhar tantos materiais midiáticos que objetificavam a figura feminina em prol da testosterona, um questionamento sempre vinha em minha mente: quem será o verdadeiro protagonista da série? Há um preconceito absurdo na indústria televisiva e cinematográfica quanto a projetos encabeçados por mulheres, também o canal Starz tinha no currículo, como maior projeto, Spartacus, que exalava testosterona em todos os frames da telinha, então será que seria possível adaptar um livro que contava com reflexões femininas tão ricas e desprendidas de convenções românticas clássicas? Independente de minhas dúvidas, decidi puxar a série sobre minha asa e escrever sobre ela, uma vez que gostava demais da saga escrita pela autora. Meses depois, a série teve o sinal verde dado e Douglas demonstrou interesse em cobri-la e convidei-o para uma parceria. Nós não sabíamos o que esperar. Conhecíamos o nível progressivo de urgência, complexidade e qualidade do material, mas nada poderia preparar qualquer um de nós para o banquete narrativo que a série se tornou.


Outlander pode assumir, em um primeiro momento, a roupagem genérica dos grandes romances épicos e clássicos. Há a heroína, o amor deixado para trás e o pretendente diferente encontrado no novo meio. Apesar de as variáveis serem esboços esgotados em histórias anteriores, a equação ali apresentada coloca em ação um jogo bem diferente. Claire Beauchamp não vivia em prol do marido. Ela era uma mulher a frente de seu tempo e com uma mentalidade independente e pragmática díspar frente a submissão esperada pelo universo ainda predominantemente machista. Ela gostava de sexo e da intimidade que ele propiciava, amava sua profissão de enfermeira e não escondia o tédio pelos interesses histórico-familiares do marido. Quando retorna ao século XVII, ela não segurava os palavrões em sua boca e não se acanhava frente a autoridade masculina da época. E foi assim que quaisquer suspeitas ou desconfianças que eu tivesse desapareceram. A série não busca esconder nenhum traço de sua protagonista, os mais belos e os mais feios, chegando ao ponto de entregar um episódio cuja função era negar e pisar no véu corrupto que a inglesa colocara sobre os ombros dos escoceses, durante a arrecadação de impostos. O roteiro, felizmente, não se contentou com Claire e colocou outras figuras femininas que, juntas à protagonista, impulsionaram momentos que quebravam a lógica masculina sufocante sobre as mulheres da época.


A Sra. Fitzgibbons protagonizou um dos momentos mais emblemáticos da série até o momento: uma senhora protegendo a irmã e o neto, aceitando a ajuda de uma estrangeira e negando o poder da fé e na figura impositora de um padre. Geillis Duncan conversou com Claire sobre ervas medicinais e costumes bárbaros da época, aprovando o projeto televisivo no teste de Bedchel (que questiona se há, em um trabalho de ficção, duas mulheres que conversam entre si sobre algo que não seja homens). Mas, quanto a especificidades de roteiro e personagens, não há nenhum momento mais emblemático que o momento que a protagonista expõe ao marido que não queria ficar inútil durante a Segunda Guerra Mundial e, portanto, iria ser enfermeira. O marido questiona que o mundo estava ao avesso com ela indo para o fronte e não ele, ao qual ela responde: “Bem-vindo ao século XX”. Independente do fato de que dos anos 1940 até hoje a declaração dela se torna agridoce e levemente trágica (admitamos, não houve tanto avanço quanto poderia ter tido), não haveria melhor forma de recepcionar o público para o universo feminista da série. Aliás, o universo apresentado é feminista sim e não somente feminino. As palavras de Claire expõem, com rica complexidade de sentimentos e nuances, seus sentimentos e sua visão de mundo, mas não de uma forma romantizada, superior ou submissa aos homens, mas sim, igualitária. Se há nudez do corpo de uma mulher, há também a de um homem. Se é exposta a capacidade de Jamie dar prazer à esposa, é mostrado que ela também consegue levá-lo ao orgasmo. Se ele toca os seios dela, a câmera acompanha o tatear dela ao longo do corpo dele. E, até mesmo quando é falado de amor, é falado de uma forma honesta e agridoce, sempre mantendo uma balança com, pelo menos, dois pesos que propulsionam tanto a protagonista quanto sua contraparte.


Por essas e outras inúmeras razões, vale um elogio à sensibilidade da equipe técnica da série. É por causa dela que o roteiro não se contém, a direção não alivia e a fotografia não esconde a ânsia por abraçar um texto tão rico e expor suas diversas nuances na telinha, sem rebaixar a figura masculina, mas sem minimizar a grandiosidade das fortes e imponentes mulheres que povoam seu universo. Outlander pode estar coberta com a roupagem épica, o romance e a aventura, mas, debaixo de tudo, em seu cerne, a série é uma verdadeira força voraz e implacável feminina, que não pede desculpas por ser assim e encanta o público com sua sagacidade.





Por: Série Maníacos

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