Todo mundo tem medo. Muitas vezes, pequenos e grandes medos diários, que passam frequentemente pelas nossas cabeças, sejam eles notados ou não. Você pode ter medo de ser demitido, de ser assaltado ou daquela coceirinha ser na realidade um câncer. Você pode temer que algo ruim aconteça com alguém que você ama ou sentir medo de fracassar na vida.
E tudo isso é normal, faz parte da vida e ajudou a humanidade a chegar até aqui. Se você não tivesse medo, o que seria responsável por aquele instinto salvador de vidas na hora certa, tipo quando um carro desgovernado se aproxima de um ponto de ônibus lotado? No entanto, se ter um pouco de medo é fundamental para a sobrevivência, ter muito medo, daquele tipo paralisante, pode ser limitador e, veja só, até mesmo perigoso.
Quem garante isso é o professor alemão e especialista em risco Gerd Gigerenzer. Em uma matéria para o The Guardian, ele analisou a mudança de comportamento de norte-americanos nos 12 meses após o 11 de setembro. E constatou: o medo matou milhares de americanos, um numero tão expressivo quanto o de mortos por conta do ataque terrorista em si. Em 2001, as empresas aéreas americanas registraram uma queda de 20% no fluxo de passageiros após os ataques. Gente que, com medo de voar, optou por viajar de carro.
Segundo ele, a consequência foi que cerca de 1500 americanos acabaram morrendo em acidentes de carro somente por causa dessa mudança de comportamento. Ou seja, gente que poderia estar viva até hoje se não tivesse temido viajar de avião.
O medo de viajar
Muita gente tem medo de avião. O texto que escrevemos sobre o assunto, há quase três anos, atrai perguntas de leitores preocupados com o próximo voo. E se não é todo mundo que tem fobia de viajar, muitos passageiros, até mesmo os mais experientes, têm alguma tensão durante o processo de deixar o solo.
Eu poderia citar dados do mesmo pesquisador alemão ou de outras fontes para mostrar que sim, viajar de avião é muito seguro, ainda mais se comparado com fazer uma longa viagem de carro. Mas o ponto deste texto é outro: a ideia aqui é falar de quem tem medo de viajar. Não importa se é de avião, de carro ou de barco. Não importa se essa pessoa sequer tem medo do meio de transporte escolhido, mas da ideia de viajar em si, de deixar sua casa, seus amigos e familiares, sair da rotina e passar alguns dias explorando o novo.
Eu tenho até um caso na família. A mulher do meu pai (oi, Rosinha ) morre de medo de cair na estrada. A ponto de não encarar nem viagem para Guarapari ou Ouro Preto, cidade histórica que fica a pouco mais de uma hora de Belo Horizonte. Foi Ouro Preto, inclusive, que causou esse medo, após uma viagem traumática realizada anos atrás. “Cheguei lá, fiquei algumas horas e dei um jeito de voltar imediatamente”, ela costuma contar, para logo depois dizer: “Você, hein, Rafa, vive voando. Corajoso.”
Também já tivemos leitores do blog que comentaram coisas parecidas – gente que tem pavor de fazer as malas e viajar, mas por um motivo ou outro precisa fazer isso ou pretende superar o medo. Essas pessoas existem, não são tão poucas assim e esse medo, quando exagerado, tem até nome: hodofobia.
Segundo a pesquisadora norte-americana Eileen Bailey, a hodofobia tem sintomas físicos. Quando precisam viajar, as pessoas que sofrem desse distúrbio de ansiedade podem apresentar suor excessivo, problemas estomacais, diarreia, dor de cabeça, dificuldade de respirar e ataques de pânico.
Ela explica: “O medo que você sente pode te deixar confuso ou assustado quando tiver que entrar nas filas dos aeroportos, descobrir qual trem você precisa pegar ou estiver despachando as malas. Você pode ter dificuldades para fazer o check in no hotel ou para ler um mapa. Você pode ficar preocupado com a possibilidade de se perder num lugar que não conhece ou com de perder o controle durante a viagem. Como muitas fobias, a hodofobia pode ter sintomas diferentes em pessoas diferentes”.
E ela completa o raciocínio: “Muitas das pessoas que sofrem com a hodofobia passaram por algum evento traumático durante uma viagem, provavelmente enquanto elas ainda eram jovens”.
Mas então, qual a solução? Se ter medo nunca é errado ou culpa de alguém, afinal cada pessoa tem seus próprios medos, superar o problema também não é impossível. A especialista dá algumas dicas, mas lembra que procurar ajuda profissional é sempre a melhor saída.
Planeje-se – Se planejamento já é a chave para qualquer viagem, pessoas que têm medo de viajar devem ser mais cuidadosas. Saber exatamente como será sua viagem – e perceber que as coisas estão no seu comando – pode ajudar a controlar o medo.
Viaje devagar – Não faça roteiros apertados e não transforme a viagem numa maratona. Dê tempo ao tempo, inclusive para você relaxar. Isso também pode ajudar caso as coisas não saiam como esperado, tipo quando um voo atrasa.
Durma bem – A falta de sono aumenta a ansiedade e o nervosismo.
Beba bastante líquido – Segundo a pesquisadora, a desidratação também aumenta os níveis de ansiedade.
Coma bem e nos horários corretos – Um viajante com fome é um viajante mais nervoso, tenha ele hodofobia ou não.
Evite bebidas alcoólicas e drogas – Não caia na tentação de beber algo para se acalmar. Isso pode piorar a situação e aumentar a ansiedade.
Viaje com alguém que você confia – Se você tem um medo irracional de viajar, evite (a princípio) ir sozinho. E procure como companhia alguém que você confia e ama.
Mas e os medos menores?
Muita gente não tem medo de viajar. Já está até acostumada a cair na estrada, mas teme viajar de uma forma diferente, fazer algo que nunca fez. Pode ser o medo de viajar sozinho ou de ir para lugares diferentes.
Por exemplo, toda vez que falamos de viagens por longos períodos – e para lugares exóticos, seja lá o que esse adjetivo quer dizer – sempre aparece alguém para perguntar: Mas e a segurança? Não é perigoso?
Veja também: O que significa ser exótico?
Viver é um risco, como já contamos num texto sobre esse assunto. É impossível evitar completamente os riscos, mas dá para controlar a ansiedade e encarar novas aventuras. Na maioria das vezes, quem tem esses receios não sofre de uma fobia ou um medo paralisante, mas tem apenas aquele tipo de medo que teima em deixar que a gente saia da nossa zona de conforto.
Brasileiros, que começaram a viajar mais nos últimos anos, já não sentem tanto medo de se aventurar pelos Estados Unidos e pela Europa. Já não tememos tanto os problemas de comunicação e as dificuldades que possam surgir em viagens por parte do mundo, mas muitos de nós ainda morrem de medo ao pensar em viagens por lugares como Camboja, Laos, Vietnã, Haiti, Índia, Indonésia, Irã e quase toda a África.
É isso. Se eu der mais um passo, será o mais distante de casa que já estive.
Nesses casos, o problema parece ser falta de informação. É que muitas vezes nos prendemos às histórias únicas que chegam sobre esses lugares, geralmente discursos de pobreza, violência e instabilidade política. Mas tá aqui uma coisa que aprendemos logo que começamos a viajar (e que viajantes de países onde cair na estrada é comum há décadas já sabem): no geral, o mundo é um lugar seguro. Com um pouco de informação e tomando os cuidados necessários, os riscos que corremos, no Brasil, na Europa, na África ou na Ásia, são semelhantes.
*Imagens: 360meridianos e Pixabay (em Creative Commons)
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