Imagine que você está, neste momento, em um lugar muito diferente de onde você nasceu. Uma sociedade com hábitos, costumes e crenças que você não compartilha e, para ser honesto, sequer entende completamente. Pode ser qualquer uma. Pode ser a Índia e seus casamentos arranjados. Pode ser a Arábia Saudita e o uso obrigatório da burca. Pode ser uma tribo nômade na Mongólia ou uma tribo indígena no interior do Pará que permite relações poligâmicas e incestuosas.
Vamos imaginar que alguns desses costumes e crenças dão um nó na sua cabeça. Entram em confronto com tudo o que você acredita no mundo. Você se pergunta “Como essas pessoas podem viver assim?” ou ainda afirma para si mesmo “Esse é um tipo de sociedade ultrapassada”. Pois bem, esse tipo de pensamento é o que chamamos etnocentrismo.
Etnocentrismo é um conceito que vem lá da Antropologia. É essa sensação que grupos de pessoas que compartilham os mesmos hábitos e caráter social – em geral, grupos que ocupam uma posição de poder ou privilégio – podem desenvolver seres superiores, mais desenvolvidos e, digamos, iluminados, que outros grupos.
Eu citei os exemplos de culturas distantes, muitas vezes consideradas “primitivas” ou atrasadas. Mas o etnocentrismo pode ocorrer até mesmo dentro de uma mesma sociedade, entre diferentes grupos ou classes sociais. É o que acontece quando os membros de uma elite, por exemplo, julgam os gostos estéticos, a forma de vestir e a produção cultural das camadas mais populares, por não considerem esses aspectos tão sofisticados e dignos quanto os seus próprios. Seja qual for o caso, o etnocentrismo surge quando há um juízo de valor na comparação entre nós e eles.
Ao contrário do racismo, que se utiliza de critérios supostamente biológicos e de uma falsa ciência para construir seus argumentos discriminatórios, o etnocentrismo é pautado na desvalorização das manifestações culturais e sociais de diferentes povos. É aquilo que surge quando classificamos os hábitos dos outros de imorais, selvagens, absurdos.
Ao longo da história, esse tipo de pensamento já foi utilizado para justificar a dominação de um povo sobre os outros. Ele é a base de filosofias nacionalistas exacerbadas, coloniais e imperialistas. Como se o outro precisasse ser salvo de si mesmo e receber a iluminação de uma cultura superior.
Relativismo cultural: a resposta ao etnocentrismo
O problema da lógica etnocêntrica é que ela parte do lugar errado. É como se eu pegasse toda a minha bagagem cultural e o meu sistema de crenças e valores para avaliar os hábitos e a cultura de gente que não compartilha esses sistemas comigo. Para julgar costumes que cresceram com base em crenças e valores que não são os meus. E a pergunta que a gente deve sempre fazer é: por que o que eu acredito é mais correto ou elevado que a crença do outro?
Relativismo cultural é justamente o método utilizado pelos antropólogos para entender os sistemas de costumes de outros povos de uma forma, digamos, mais isenta. Mas nós, meros viajantes e observadores do mundo, podemos enriquecer muito nossas interpretações dos outros povos se entendermos o que esses dois conceitos querem dizer.
A grosso modo, o relativismo social consiste em buscar conhecer e entender o sistema de valores e crenças de uma sociedade para julgar os costumes dentro de seu próprio contexto. Uma coisa que a gente pode ter certeza nessa vida é que as coisas não são assim porque elas sempre foram assim. Todos os aspectos de uma cultura têm um motivo de existir. Relativizar significa ir atrás desses motivos, conhecer a história, os aspectos geográficos, as dificuldades, as situações sociais que podem ter levado à instituição daquele costume.
E de que isso me serve? Entender ajuda a gerar empatia. Saber os motivos por trás de algo trás aquele aspecto cultural, que em um primeiro olhar pode parecer chocante, para mais perto da gente. Entender ajuda a fugir de conclusões fáceis e equivocadas.
Entender e respeitar não é o mesmo que concordar
Então quer dizer que eu não posso achar errado nenhum aspecto de outra cultura? Não concordar com algo me faz etnocentrista? Não é bem assim. Eu te pergunto: você concorda com tudo em sua própria cultura? Existe algum aspecto da sua sociedade que você gostaria de mudar? Imagino que sim.
Da mesma forma, eu não preciso concordar com tudo na cultura que eu visito. Em muitos casos, esses aspectos podem ser, de fato, nocivos para os membros daquela sociedade. Não existe nenhuma forma de eu aplaudir, por exemplo, o aborto seletivo de meninas da Índia. No entanto, antes de classificar essas pessoas como monstros sem coração, eu posso entender, por exemplo, que ter uma filha nesse país significa, em geral, um problema financeiro para a família. Que, apesar de abolido, o pagamento de dote ainda é uma prática muito difundida na cultura indiana. Que muitos pais não têm condições de sustentar uma, duas, três meninas e, desesperados, acabam decidindo interromper gravidezes de fetos femininos.
É claro, eu espero que o governo e a sociedade indiana encontrem o caminho para terminar com essa prática, mas, ao compreender todas essas questões envolvidas, eu já tirei o foco da suposta maldade do povo indiano e descobri que esse tipo de feminicídio é um problema estrutural dessa cultura, com razões complexas que favorecem a perpetuação dessa prática. E qual sociedade não tem problemas estruturais tão arraigados que se tornam difíceis de solucionar?
E vocês perceberam o que eu fiz ai? Ao ir atrás dos motivos para tal prática, eu entendi e criei empatia, trouxe o povo indiano para mais perto de mim, da minha visão de mundo, dos membros da minha própria sociedade. Ao compreender, eles se tornam mais humanos aos meus olhos, com tudo de bom e de ruim que isso pode significar.
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Por: 360meridianos
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