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Ao entrar em um templo pela primeira vez, faça um pedido

Eu tomava café da manhã no restaurante do terraço de um hotel em McLeod Ganj. Era meados de novembro e o dia estava lindo com o sol de inverno e o céu azul que vem com ele. No fundo, os Himalaias se erguiam para onde quer que a gente olhasse. Entre uma mordida na minha panqueca e um gole do meu lassi, eu disse: “Caramba, nunca pensei que pisaria num lugar desses na vida”.

De repente, percebi que tinha realizado um desejo feito muitos anos antes. Não que eu tivesse sonhado em visitar McLeod Ganj algum dia na minha vida. Para falar a verdade, sequer tinha ouvido falar na pequena vila até chegar à Índia. Mas eu sonhava, sim, com uma ideia distante de lugares que eu não conhecia. Um sonho que surgiu quando eu ainda era criança e passava horas com a cabeça enfiada em enciclopédias lendo sobre países dos quais eu nunca tinha ouvido falar para tentar decifrar o último mistério de Carmen San Diego.

Mcleod Ganj - Índia

Minha família viajava pouco. A cada férias escolares, percorríamos um longo caminho para visitar meus avós no norte de Minas. Em alguns verões, passamos temporadas na casa de amigos em Petrópolis e uma ou duas vezes fomos acampar na Serra do Cipó. De todas essas viagens eu guardo lembranças nítidas. Como da vez em que visitamos a Serra da Canastra e minha mãe segurou meu braço enquanto subíamos as escadarias de uma igreja: “Sempre que entrar em uma igreja pela primeira vez, faça um pedido”.

Foi ela também que me ensinou a fazer um pedido para a primeira estrela que eu visse no céu, hábito que carreguei comigo por mais tempo do que seria socialmente aceitável admitir. Eu tinha uma lista de pedidos que fazia sempre. Eu queria um cachorro mais que tudo no mundo. Queria que nos mudássemos do apartamento onde morávamos para uma casa para que a gente pudesse ter um cachorro. Queria viajar. E ao cruzar o umbral daquela igreja, foi isso que eu pedi. “Eu desejo fazer isso mais vezes”.

Naty na Índia

Eu fui uma menina estranha. Pedi minha primeira boneca aos dez anos, pouco tempo antes de deixá-las de lado. Não é que eu não gostasse delas, e como qualquer menina eu acabei ganhando muitas. Mas quando eu podia escolher, pedia o Meu Primeiro Gradiente, o Pense Bem, o Super Nintendo, uma coleção de livros, um microscópio. Uma vez, eu peguei um caderno e resolvi que ia escrever um livro sobre as curiosidades do mundo. Ele era ilustrado com as figurinhas que vinham no chocolate Surpresa e recheado de informações que eu tirava da Barsa. A primeira página era sobre a Via Láctea.

Quando eu descia para andar de bicicleta, fazia de conta que estava perdida em uma floresta, como no filme Conta Comigo. Na trilha que fiz com meus pais até uma cachoeira da Serra do Curral, eu era a chefe de uma equipe de arqueólogos em busca de tesouros perdidos. E quando passava horas com o rosto colado na tela do meu Game Boy tentando vencer a Elite Four, o que me encantava era a aventura de explorar um mundo desconhecido, mais que capturar os 150 Pokemons. Eu queria visitar lugares remotos, explorar vilas perdidas no tempo, descobrir relíquias. Eu sonhava em visitar o estranho país de bandeira em formato de árvore de natal, em caminhar pela orla repleta de casinhas coloridas como aquela foto de Reykjavík e conhecer as tribos canibais de Papuá Nova Guiné. Eu percorria o mapa com o dedo e a imensidão do mundo parecia infinita na cabeça de uma menina que ainda não tinha dados seus primeira voos. “Será que se a gente cavar um buraco bem fundo a gente sai na China?”.

visto do Nepal

Quase vinte anos mais tarde, quando eu me vi cercada de montanha, neve e monges tibetanos, eu senti uma felicidade estranha, que misturava descrença e deslumbramento. Um desejo havia se tornado real e naquele momento, McLeod era isso e nada mais. Era a materialização dos lugares fictícios que eu tinha criado na minha mente. Era a minha aventura, a minha jornada do herói. Foi naquele café da manhã que eu percebi que eu estava fazendo tudo o que eu sempre quis fazer e isso era consequência de diversas decisões que eu havia tomado nos últimos meses, muito trabalho, alguma sorte e da minha determinação. Ainda assim, por via das dúvidas, fica o conselho: ao entrar em um templo pela primeira vez, faça um pedido.

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Por: 360meridianos

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