Quando pensamos em turismo, quem está em primeiro lugar na lista de prioridades? Certamente, não são os residentes locais. Pelo menos é isso que diz um artigo de Gianna Moscardo, de 2011. Segundo essa pesquisadora, o foco do desenvolvimento turístico do mundo são os turistas em si, seguidos das empresas e governos. Quem habita aquelas regiões só é visto como essencial no papel, mas na hora dos processos de planejamento e políticas para o turismo ficam esquecidos.
Parece uma afirmação alarmista, mas se formos pensar na quantidade de vezes que visitamos um lugar e que criticamos alguma questão cultural local como pouco esperta na visão dos negócios ou pouco atrativa para turistas, fica mais fácil entender a afirmação. Eu mesma me peguei fazendo isso há algumas semanas, na Itália, quando, incomodada com o fato de que tudo nas cidades menores fechava de 12h às 16h, comecei a questionar a visão turística desses locais. O problema estava nas minhas expectativas como visitante e não na cultura local e seu horário de descanso.
Além disso, a mesma autora também fala que é muito fácil que os residentes de um destino percam o controle sobre o desenvolvimento do turismo no lugar onde eles moram. Assim, acabam renunciando a propriedade dos recursos para empresas – que na maioria das vezes são estrangeiras – e que prometem empregos e desenvolvimento. Também faltam procedimentos governamentais democráticos que deem espaço para que as pessoas digam o que querem do lugar onde vivem.
Ainda, claro, há o fato de que muitas comunidades, eu diria a maioria delas, com pouca experiência na área do turismo observam exemplos de outros lugares como representação do que fazer com o turismo em seu próprio território. Moscardo fala que isso não é apropriado porque não só limita as discussões sobre desenvolvimento do turismo e da região, mas ainda limitas as inovações, já que só se faz aquilo que é conhecido ou comparável.
O resultado disso, eu diria, é esse mar de resorts, grandes cadeias de hotéis, navios, empreendimentos imobiliários e outras coisas em lugares que não têm espaço apropriado, recursos ambientais e capacidade social de receber tais coisas. Tudo com aquela conversa de que se vai gerar emprego e trazer desenvolvimento, quando, na verdade, a maior parte de toda a renda vai para o capital estrangeiro.
É na contramão dessa lógica que vem o Turismo Comunitário, ou Turismo de Base Comunitária. No livro Turismo de Base Comunitária: diversidade de olhares e experiências brasileiras, Marta Irving define esse tipo de turismo como uma demanda direta dos grupos sociais do território turístico e que possuem com tal local uma relação de dependência para além do simplesmente material.
Isso não quer dizer que pessoas que venham de fora não possam participar ou induzir gente daquele local a organizar as atividades turísticas. Pelo contrário, tal como afirma Irving, é com frequência que quem vem de fora induza o turismo, a questão é que a motivação e os desejos da comunidade estejam presentes para que suas demandas pelo desenvolvimento local sejam atendidas.
Além disso, é essencial no turismo comunitário, segundo Irving, que as pessoas se sintam protagonistas, se sintam pertencentes e que consigam influenciar os processos de decisão. Ou seja, é uma busca de equilíbrio entre a indústria turística e as comunidades locais em que a participação no turismo vai além de simplesmente envolver a população. Eles precisam ter o poder, a capacidade de impor seus desejos e avançar com seus próprios interesses. É um processo, acima de tudo, de empoderamento dessas pessoas.
Porque mesmo que uma população local inicie um projeto de turismo comunitário, afirma Jarkko Saarinen em um artigo escrito em 2013, a sustentabilidade desse projeto está nas relações de poder dessa comunidade com parceiros, empresas, governo e turistas também. É necessário definir limites e fazer propostas. Eles devem ser capazes de ir além daquela visão tradicional do que é o turismo.
Em todo esse contexto, qual é o nosso papel como turistas? Afinal, como eu disse no início deste texto, não faltam estudos indicando que somos nós quem pautamos, em primeiro lugar, como se dá o desenvolvimento turístico. Então, está nas nossas mãos, individualmente, começar a mudar esse processo.
Para começar, podemos fazer o mais fácil, que é repensar a nossa relação com o turismo. Esperar que em todos os lugares do mundo nós vamos encontrar sempre o mesmo padrão de qualidade e o mesmo tipo de recepção é uma ideia não só ilusória, mas também perigosa para quem mora nos lugares e tem a sua vida alterada e cultura ameaçada por essa noção de hospitalidade e comércio que o turismo internacional trás.
Em segundo lugar, é importante começar a valorizar e buscar novas formas de fazer turismo. Procurar hospedagens que sejam de moradores locais, comprar nas lojas deles, ir a restaurantes locais que utilizem comida fresca e tradicional da região. Todo mundo bate nessa tecla, mas na hora de ir lá e realmente investir o dinheiro das férias toma uma decisão em prol do tradicional. Muitas vezes isso vai significar ter que procurar mais, ficar mais atento aos processos de reservas. Fechar um pacote turístico numa agência, a não ser que seja uma agência diferenciada, dificilmente vai te permitir ter essas escolhas alternativas.
Por fim, quem tiver interesse pode buscar iniciativas de turismo comunitário neste mundão afora ou no próprio Brasil. Outro dia eu escrevi um texto sobre a Visit.org, uma empresa social que permite reservar passeios de projetos comunitários. Aqui no nosso país existe a Turisol, que é Rede Brasileira de Turismo Solidário e Comunitário, e várias redes por Estado, como a Rede Tucum, no Ceará.
Não consegui encontrar um site específico que reúna as iniciativas brasileiras, mas deixem dicas legais nos comentários!
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Por: 360meridianos
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