“Não é coincidência que nenhuma língua no planeta tenha produzido a expressão ‘tão bonito como um aeroporto’, escreveu Douglas Adams, que entendia do assunto. Eu, que jamais o desmentiria, prefiro só acrescentar: aeroportos podem até ser feios, “num grau de feiura que só poderia ser resultado de um grande esforço”, como ele mesmo disse. Mas alguns são mais feios que outros.
O próprio Adams, autor da série ‘O Guia do Mochileiro das Galaxias’, dizia que parte do problema é que aeroportos estão cheios de pessoas cansadas e que descobriram que suas bagagens aterrissaram no lugar errado – é difícil conservar a beleza num clima assim. Mas embora boa parte da culpa seja mesmo das jornadas cansativas que nós fazemos e seus perrengues, a verdade é que tem aeroporto que não colabora.
O ano era 2012. Aquela tinha sido uma semana intensa no Nepal, que incluiu caminhadas maravilhosas, mas também uma greve geral que nos arrancou, literalmente e com manifestantes com tochas nas mãos, de dentro do ônibus em que estávamos. Dias depois, cansados e com medo, chegamos ao Aeroporto Internacional de Katmandu, um simpático prédio de tijolinhos alaranjados.
Esse é o máximo de elogio que posso fazer ao aeroporto que encontrei naquela época – se melhorou de lá pra cá não sei dizer. Já a nuvem de pernilongos que tentou me engolir enquanto eu aguardava o voo não era lá muito boa em simpatia. Do aeroporto de Katmandu guardo ainda recordação da dificuldade que foi para embarcar, já que os atendentes demoraram para localizar nossas reservas no sistema, algo que não é tão incomum assim. Por outro lado, esse foi o único aeroporto do mundo em que achei sofás enormes, desses de sala mesmo, perto do portão de embarque. Ótimo para dormir, não faltasse o repelente.
Por falar em dormir, essa é outra coisa que torna aeroportos mundo afora, digamos, pouco atraentes: ter que passar a noite neles. E por “neles” entenda nos bancos da sala de embarque mesmo, não em hotéis próximos ou salas VIP, que são oásis no meio da conexão. Ou, pior, ter que dormir nos bancos da área de check-in, como é comum quando o embarque ainda não foi aberto para seu voo.
Na ausência de bancos, até um McDondals serve – aconteceu comigo, que dormi na mesa do restaurante, entre um Big Mac e outro, tudo porque não havia um banco sequer na área de check-in do aeroporto em que estávamos. Profissional mesmo foi esse pessoal aí da foto, num aeroporto da Malásia: na falta de banco apropriado, vá de barraca. Ou desista de tudo e deite-se no chão, como os três homens da foto.
Veja também: Guia para dormir em aeroportos
9 formas de passar o tempo em aeroportos
Aeroportos são um dos poucos lugares em que você pode se deitar nas cadeiras, sem tênis, com meias encardidas nos pés, olheiras de sobra e completamente descabelado, mas ninguém vai te julgar maluco. Você é só mais um – e passará despercebido na multidão quando a madrugada chegar, trazendo mais viajantes sonolentos. Pensando bem, até que há beleza nessa falta de regras sociais.
O grau de feiura de uma aeroporto aumenta de acordo com o tempo que você é forçado a ficar nele. Passou rapidinho, o tempo justo para entrar no voo? O aeroporto parecerá ok e dá até para ignorar aqueles pernilongos. Precisou ficar seis, sete, oito horas aguardando seu voo? Bem, aí a coisa complica, não importa se você está no aeroporto mais estruturado do mundo. E o tempo de conexão pode causar exageros, como o cometido pelo escritor Anthony Price: “O diabo em pessoa provavelmente reformou o inferno de acordo com as informações que ele obteve observando aeroportos”, escreveu ele.
Mas no fundo tudo não passa de implicância. Alguns aeroportos chegam a ser, arrisco dizer, interessantes. E muitos melhoram de fato com um bom planejamento, como vimos – e bem – com os aeroportos que foram reformados nos últimos anos, aqui no Brasil mesmo. O problema real é que, não importa quão estruturado um aeroporto seja, ele é sempre um lugar de despedidas. De olhar para trás e dar adeus para pessoas queridas, lugares inesquecíveis, para vidas que tivemos ou poderíamos ter tido.
É essa feiura, a que nos transporta para outra realidade e joga na nossa cara a transitoriedade de tudo – principalmente a das férias – que torna aeroportos tão complicados. É por isso que o aeroporto da volta é quase sempre pior que o da ida. O tipo de lugar que todo mundo odeia, mas ama estar e faz questão de retornar.
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Por: 360meridianos
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