Desembarcar na China é a experiência mais próxima de uma viagem no tempo que alguém pode ter. E, na maioria das vezes, o destino tem traços futurísticos: é difícil não se impressionar com os trens de alta velocidade que cortam o país a mais de 400 km/h; é complicado segurar o queixo diante de tantos arranha-céus, tantas metrópoles gigantescas, tantos números superlativos. Mas se a modernidade do país é gritante, assim também é o passado.
E não só o passado de uma das grandes civilizações da humanidade, com muralha, cidades históricas e tudo mais, mas também o jeitão de tempos antigos que o outro lado da moeda reserva para a China moderna. Por ali, o progresso veio atrelado a práticas tão velhas quanto a própria humanidade – censura, perseguição política e forte repressão por parte de um governo que diz tudo isso fazer em nome do povo.
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O turista, esse ser privilegiado que costuma conhecer países dentro de bolhas de proteção, é quem menos sofre com isso. Na prática, o único momento em que essa face da China afeta o viajante é quando o assunto é a vida online. A agência governamental responsável por censurar a torto e a direito conta com 50 mil funcionários e o Grande Escudo Dourado garante que um número absurdo de sites que são onipresentes no resto do mundo simplesmente não existam no gigante asiático.
Termos e assuntos considerados perigosos pelo Partido Comunista Chinês também desaparecem das buscas, assim como o próprio sinônimo delas, o Google. E aí vale de tudo, de pesquisas envolvendo o Massacre da Paz Celestial a textos sobre livros considerados impróprios; de pornografia a músicas e filmes que não têm a aprovação do governo.
Isso não quer dizer que os chineses não estejam na internet. Pelo contrário, 25% dos internautas do mundo (para utilizar uma expressão dos anos 1990) estão no país. Só que no lugar de Facebook, Instagram, Whatsapp e outros produtos do monopólio de Zuckerberg e companhia, por ali a estrela é o WeChat, que em 2018 atingiu a impressionante marca de um bilhão de usuários. Maior ainda é o número de mensagens enviadas todos os dias nessa rede social chinesa: são 38 bilhões.
Ok, é fácil ter números gigantescos quando seu principal mercado é a China e você não tem concorrentes estrangeiros, mas é difícil não se impressionar com um aplicativo que é usado para praticamente tudo. O WeChat é rede social, serviço de mensagens, de pagamento de contas, reserva de produtos e tudo que você imaginar. Baixar o aplicativo e pedir para sua família fazer o mesmo é a primeira atitude a tomar antes de viajar, caso você queira se comunicar enquanto estiver na estrada. Ele é tão forte por lá que é até engraçado pensar em como seria a vida dos chineses caso o WeChat simplesmente deixasse de existir.
Ironicamente, descobrir a resposta é fácil. Você chega à China, pega o celular e faz aquilo que te parece natural – mandar uma mensagem de Whatsapp. O aplicativo não funciona. Facebook Messenger, então? Também não. Nem Skype, Gmail, Hangouts ou qualquer produto do Google. Também nada de postar fotos ou se comunicar pelo Instagram, outra rede que não existe em terras chinesas. Se você fez seu trabalho direitinho e pesquisou antes de viajar, então baixou aplicativos de tradução, como o Peixe Babel, digo, o Google Translate. Pelo menos esse funciona offline e salva vidas – melhor do que confiar só na mímica. Mas as facilidades da tecnologia param por aí.
Ao se locomover pelas grandes cidades chinesas, você resolve usar o mapa do celular. Só que o Google Maps também não funciona, nem mesmo offline. Há, claro, vários aplicativos de mapas e GPS, mas achar um que não esteja em mandarim logo se transformará num desafio tão grande quanto a Muralha da China. Aplicativos de transporte? Existem, mas não são os mesmos, já que a Uber desistiu do mercado chinês em 2017.
É assim que você se dá conta que voltou no tempo, mais especificamente para o começo do século 21. Nada de smartphones que resolvem sua vida o tempo todo; nada de aplicativos que fazem parte do seu dia a dia de forma tão intensa que você sequer nota a presença deles mais. Voltam os mapas de papel, retornam as corridas de táxi.
A parte boa, se é que podemos chamar assim algo que é consequência da censura, é que o vício fica escancarado: sem rede social para postar as fotos da viagem, o jeito é esperar até voltar para casa e só então contar sobre a aventura para os amigos e parentes. A bolha turística é tão grande que a censura chinesa acaba tendo o benéfico efeito de desintoxicação digital. Não há nada a postar, não há mensagens a enviar.
Como tudo na vida, tem um jeitinho para driblar a censura chinesa. E ele nem é tão complicado assim. Basta baixar um VPN, sigla que significa Virtual Private Network, o que permite que uma pessoa, mesmo estando na China, finja que não está – e assim o Grande Escudo Dourado é deixado para trás. A estratégia é tão recorrente que alguns hotéis têm VPNs instalados em suas redes, tudo para facilitar a vida dos turistas estrangeiros. Essa é a mesma estratégia usada por grandes empresas, chinesas ou de fora, que precisam driblar o Grande Firewall para facilitar os negócios com ocidente.
Quando eu saí de casa, já sabia da força da censura online chinesa. Por dias, pensei se valeria a pena ou não baixar um VPN. Acabei optando por não fazê-lo. Olhando agora, me parece que foi a coisa certa. Pelo menos essa bolha vale a pena evitar.
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Por: 360meridianos
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