Deloitte University: será que o centro de treinamento é sustentável a longo prazo? (Bloomberg)
(SÃO PAULO) – São 5h30 da manhã no DFit, o clube de saúde de um resort na parte noroeste de Dallas, e a aula de spin está lotada. Conforme a música começa e alguém sobe na última bicicleta disponível, as rodas das bicicletas de US$1.795 reais começam a girar. A instrutora estabelece um ritmo intenso. No meio da aula, ela pergunta: “quantos de vocês beberam álcool na noite passada?”. Conforme as mãos se levantam, ela apressa os alunos para aumentar a resistência e queimar o excesso.
Haveria muito tempo para refazer o dano. No momento em que a aula acaba, o restaurante no final do corredor começa a servir omeletes, pilhas de salmão grelhado, ovos mexidos cremosos, e outras dúzias de opções, todas gratuitas. Mais tarde nesse dia, os hóspedes competirão em um desafio de cozinheiros; depois disso, eles podem festejar até uma hora da manhã no bar do local. “Eu amo isso”, diz um dos revisores do Yelp, no qual esse destino ganhou uma revisão média de cinco estrelas. “Eu viveria aqui se eu pudesse”.
Nada mau, considerando que não se trata de qualquer resort de 800 quartos e US$300 milhões. Ele é propriedade da Deloitte, companhia de serviços profissionais de 70.000 funcionários, e seus hóspedes – quase todos contadores e consultores – precisam frequentar a Deloitte University para ter aulas de liderança obrigatórias. Na maioria das companhias, treinamentos externos geram tanto entusiasmo quanto uma fiscalização tributária, mas desde quando essas portas foram abertas no Texas em 2011, funcionários passaram a amá-los.
Mesmo os sócios da Deloitte, os quais inicialmente se opunham ao projeto, admitem que ele impulsionou esforços de recrutamento, impressionou clientes em potencial e criou oportunidades para o esforço virtual da empresa de criar relações reais. Muito do apelo está em um design muito bem pensado, comodidades sofisticadas e atividades divertidas para os momentos de lazer, o que levou ao apelido: Disneyland da Deloitte.
Os responsáveis pelo espaço não gostam dessa alcunha. Eles acham que isso enfraquece o aprendizado sério que ocorre no lugar. Ainda assim, eles reconhecem que os planos pedagógicos são inúteis se os alunos não comparecem. “Esse não poderia ser um local onde os funcionários devem estar, mas sim um lugar onde eles querem estar”, disse o diretor Pete Sackleh. Alguns céticos se perguntam se o lugar está aproveitando uma lua de mel de curto prazo. Eles especulam se esse entusiasmo vai durar quando não houver mais novidade e os funcionários voltarem ano após ano. Mas por enquanto está funcionando: os funcionários mal podem esperar pelos próximos treinamentos.
A ideia do campus foi proposta inicialmente por Barry Salzberg, na época diretor executivo, na reunião de sócios da companhia em 2006. Muitos parceiros preferiram investir em treinamento on-line, mas pesquisas internas mostraram que a geração Y – atualmente mais da metade dos funcionários da companhia – preferem aprender da maneira tradicional, face a face. Oponentes argumentaram que o projeto seria caro demais e que a Deloitte não tinha motivos para possuir um hotel. A maior objeção, porém, foi a que você esperaria de uma companhia de contabilidade: a localização se tornaria um gasto fixo, limitando a possibilidade de cortar custos durante períodos de recessão. Após dúzias de reuniões, Salzberg venceu: em 2007, o conselho aprovou o projeto. A companhia escolheu a localização em Dallas principalmente por conta do clima e de uma plataforma da American Airlines, adquirindo um corte de 107 acres do meio de um rancho de 2.500 acres da família de Ross Perot.
A criação da Deloitte University foi um processo doloroso. Para começar, ela tinha que ter uma boa aparência sem dar a ideia de luxo . A equipe se preocupou que se o resort parecesse caro demais, isso poderia irritar funcionários, que prefeririam que o dinheiro fosse investido em melhores salários, ou clientes, que se preocupariam que os gastos estivessem aumentando preços da companhia. Para Sacleh, “se você olha para cada elemento separadamente, pode ser bacana, mas não opulento – e esse é o propósito”.
Muitas das ideias vieram de consultores da Deloitte, que constantemente viajam e podem apontar os pontos positivos de hotes voltados a negócios. Há tomadas em todos os lugares – não é preciso ficar caçando nas paredes. Ao lado de cada cama há um controle remoto que controla todas as luzes e o termostato.
Outras decisões importantes envolviam o que deixar de fora. Apesar da aparência de um resort, não há piscina, banheira ou sauna, porque ninguém quer topar com seus chefes usando toalhas ou roupas ed banho. Não há filmes pay-per-view ou serviço de quarto, porque os gerentes querem que os funcionários estejam fora de seus quartos, interagindo. Não há diferenças entre os quartos, para não haver dores de cabeça sobre quem será promovido. Em comedouros, não há mesas para duas pessoas, forçando pessoas a sentarem em grandes grupos e fazer amigos.
O planejamento se estende para além do ambiente físico. Os traslados para aeroportos são super organizados: a meta é que todos os funcionários estejam sentados e a caminho em 10 minutos após desembarcarem de seus aviões. Como a companhia já tem todas as informações dos hóspedes, não há processo de check-in. Cartões magnéticos para os quartos e crachás de identificação são distribuídos quando as pessoas saem das cabines. Já que quase tudo é gratuito, (hóspedes pagam por álcool e treinamentos pessoais), não há necessidade de um caixa, recibos, relatórios de despesas ou gorjetas. Pesquisas mostram que os hóspedes prezam tanto pelos elementos gratuitos quanto pelas comodidades.
A comida é quase ridícula de tão boa – em variedade, quantidade e qualidade. O ex-chefe do Four Seasons Michael Jackson é responsável pela cozinha. Um almoço típico inclui rolinhos de lagosta, salmão escocês, camarão, mexilhões, frango grelhado, asas de frango, três tipos de sanduíches, conco tipos de hambúrgueres, hommus e um buffet de salada. Entre refeições, pontos de petiscos oferecem pipoca, balas, barras de cereais e sorvete. Copas localizadas próximas aos quartos possuem bebidas não-alcoolicas, iogurtes, queijos e M&Ms. Após as 17h30, funcionários dirigem-se ao Barn, um pub que serve costelas, camarões empanados e peito defumado. A companhia diz que competições alcoolicas e um karaokê costumam manter o Barn ocupado até a última chamada, à uma da manhã.
Enquanto outras grandes companhias – como a Boeing, Lockheed, GE e Accenture – possuem grandes espaços residenciais de treinamentos, pessoas que as visitaram concordam que, pelo menos até agora, a Deloitte está sozinha em seu patamar. “É o melhor que eu já vi”, diz um consultor de fora que rotineiramente visita os centros de treinamento. “O local rivaliza com as sedes de startups de alta tecnologia como o Google, Twitter e LinkedIn”.
Não importa o horário em que foram dormir, às 8h30 da manhã todos se vestem em roupas de negócios e se reúnem perto das 32 salas de aula, 33 salas de equipes e os 176 anfiteatros que compõem a asa de aprendizagem do centro. A maior parte das sessões são lideradas por sócios da Deloitte e envolvem simulações e atuações. Após o almoço, 30 gerentes recém-promovidos sentam em grupos de cinco e um deles fica frente a frente com um sócio da companhia. No cenário atribuído, o sócio está retirando alguém de um projeto porque outro cliente precisa urgentemente de sua expertise. O novo gerente primeiramente tenta convencer o parceiro a manter o funcionário em sua equipe, o que não funciona. Então, ele negocia por mais tempo para fazer uma transição mais sutil. Após a atuação, a equipe faz uma simulação de computador para contar ao funcionário que ele mudará de projeto. Então outro sócio lidera uma conversa de grupo sobre os desafios de gestores.
Nada disso é barato: em 2010, antes da inauguração, a Deloitte gastou mais de US$113 milhões em treinamento, de acordo com um estudo de caso feito em Harvard. Esses gastos são ainda mais altos hoje, porque a companhia possui mais funcionários e agora oferece mais treinamento para cada um deles. Entretanto, gestores dizem que se você comparar os custos por funcionário, eles estão economizando mais de US$7 milhões esse ano, em comparação com aulas em outros hotéis ou centros de conferências, como era feito antes da construção da Deloitte University.
Há rumores de que esse campus só vai crescer. “A última coisa que eu ouvi foi que eles iam adicionar mais 250 salas”, disse Doug Lattner, ex-CEO do negócio de consultoria da companhia, que se aposentou em 2013. Os líderes da Deloitte University negam os planos de expansão, mas durante uma visita eles disseram que o sistema elétrico e de aquecimento são o suficiente para 200 salas adicionais, e mostraram onde precisamente elas seriam construídas.
Nada disso garante que a localidade será bem-sucedida a longo prazo. Boris Groysberg, professor da Harvard que escreveu o estudo de caso sobre a Deloitte University, diz que nos últimos 30 anos muitas grandes companhias – como a IBM, ATT, Merril Lynch e Goldman Sachs – abriram centros de treinamento que pareceram bem sucedidos por alguns anos. Mas conforme eles envelhecem, funcionários tipicamente ficam menos entusiastas sobre as visitas, os sócios mais talentosos passam a devotar menos tempo às aulas e a companhia passa a investir menos energia na manutenção do currículo dos programas. “A questão é: é sustentável?”, pergunta Groysberg. “Tendo visto esse filme antes, a média não está a seu favor”.
Às 19h em uma terça-feira, essas preocupações pareciam distantes. Centenas de Deloitters aplaudem enquanto colegas competem em um jogo de culinária. “Eu sinto como se tivesse ganhado 5 quilos nas últimas duas horasa”, diz o mestre de cerimônias. Logo após as 22h30, mais de 100 funcionários ainda estão levantando seus copos no pub enquanto assistem a um jogo da NBA e fazem apostas. “Ei, gente, vocês vão dividir isso comigo, né?”, grita um novo gerente comendo um prato gigante de nachos. Vão em frente, a agenda de amanhã começa coam uma corrida de 5km ao redor da propriedade.
Por: InfoMoney : Bloomberg
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