[Flashback] Six Feet Under 1×03: The Foot


O que fazer quando não se sabe mais o que você é e o que quer?


THOMAS ALFREDO ROMANO (1944-2001)


The Will foi um episódio único para o início de Six Feet Under. Ele absorveu a morte do patriarca da família Fisher e usou o testamento como forma de apresentar mais seus componentes e, também, expor novas possibilidades de conflito, de cura e de aproximação entre Nate, Claire, David e Ruth. The Foot aproveita exatamente esse terreno montado pelo capítulo anterior para deixar mais de lado o delineamento dos personagens e trabalhar principalmente a dinâmica entre eles. Para tal, houve espaço para brincar bastante com o humor negro ao longo de cinquenta e dois minutos, porém o jogo entre esperanças e desventuras continuou em ação e o luto continuou a ser processado.


A questão da venda do negócio foi de crucial importância para esse capítulo e, por isso, ainda nos minutos iniciais, ocorre a primeira reunião para discuti-la. Nate quer vender o negócio da funerária, porque quer seguir em frente com sua vida em Seattle. Ruth concorda com a decisão de Nate, porque sua vontade é de fazer o que a deixa feliz, novos caminhos e possibilidades que venham a fugir do funeral que foi sua vida até então (uma bela demonstração de que ela quer mudanças foi sua demanda simples, mas importante, no episódio anterior de não atender mais o telefone). David, por outro lado, investiu sua vida no negócio da família e vendê-lo seria jogar fora os anos investidos ali. Por isso, é comovente a forma que ele coloca que não sabe fazer mais nada na vida, pois aquilo foi tudo que ele teve.


Mesmo assim, repensando, David se dá uma chance e começa a perceber que ele ainda era jovem e vender era uma oportunidade. Seu olhar muda para algo intenso, enérgico e esperançoso. E então fica explícito o jogo de parte e contraparte entre os irmãos. No primeiro momento, o mais velho queria se desapegar do negócio e o mais novo criticava o apoio dado pela mão a ele. Em seguida, o mais novo desenvolve o senso de desapego e leva seu namorado no mesmo sentimento. E então, para terminar, o mais velho destrói as expectativas do irmão, quando percebe que ele tinha fugido daquilo a vida toda, mas era a hora de abraçar o negócio e a família de vez. O problema é que David viveu anos seguidos na funerária, enquanto Nate estava longe, cuidando de sua vida. Será que o mais jovem conseguirá segurar a motivação, depois de já ter se convencido de que há uma vida diferente possível de ser perseguida? Independente do caso, há uma parcela grande de mim que gostaria de acusar o egoísmo de Nate, no entanto fica difícil, uma vez que, diante da mudança de posicionamento do primogênito, David não expôs o que ele queria e estava pensando, omitindo-se mais uma vez.


Ruth quer um recomeço para sua vida. E isso é um desejo tão desesperado que virar o colchão se tornou um momento emblemático. Ela tem um impulso e o faz, no entanto, no fim das contas, ela não se sente diferente. Diante disso, ao longo do episódio, fica o questionamento referente a qual seria a razão de sua insatisfação perene e de sua própria expressão de incapacidade, uma vez que ela tenta, mas não consegue sozinha um sentimento imediato de frescor em sua vida. E, ao ver o casal se beijando, ela finalmente se expõe para si e para o público: “Não importa o que vocês façam, vão terminar sozinhos, sem saber o que são e o que querem”. Todo o desespero da personagem em um diálogo simples, rápido e emocional, valendo levantar um elogio para o roteiro de Bruce Eric Kaplan, cuja capacidade de síntese e honestidade machuca ao mesmo tempo em que esclarece. E, claro, para a soberba Frances Conroy, que abraça todas as facetas de uma personagem que poderia facilmente cair no caricatural e torna em um receptáculo de dores, mágoas e busca de cura.


Brenda continuou com sua honestidade cortante e o impulso de analisar o parceiro mesmo que involuntariamente. E há uma ironia quando ela fala que não quer uma criança (Nate) e, segundos depois, ela corre agindo como uma. Apesar de rejeitar a palavra dele de que parte da razão de ter recusado a venda do negócio teria sido por ela, momentos depois ela mostra que ela tinha dado um salto de fé e comprado ingressos para três semanas depois, quando ele já poderia ter ido embora pra Seattle. Momentos depois, quando questionada por ele sobre sua frieza em relação aos sentimentos dele, ela não mede as palavras e fala sobre o limite de sua capacidade de se importar com Nate diante do fato de que eles se conhecem há somente um mês. E então fala sobre como eles não deveriam fazer grandes investimentos um no outro, pois era o apelo entre eles, apesar de ela ter feito um investimento nele, mesmo que não queira admitir, no momento em que criou expectativas para a permanência dele na cidade. Diante dessa dialética psicológica da personagem, que luta contra e busca apego simultaneamente, resta questionar qual seria a origem disso. Qual a história de Brenda? De todos os personagens da série, ela é o mais enigmático e mais instigante. O telefonema que ela atende talvez seja o presságio de que estamos próximos do momento em que a vida dela começará a ser desenvolvida.


Depois de se entregar a Gabe, executando até mesmo seu fetiche, chegando ao ponto de fantasiar um número musical de tanta felicidade, Claire tem que lidar com a realidade de que o rapaz não manteve a boca fechada e fez com que ela se tornasse chacota na escola, mesmo que argumente não ter tido a intenção. O melhor de sua participação no episódio ficou no presente que ela deixou no armário de Gabe. Macabro, intenso e humilhante, o pé respondeu à traição dele e o rosto da garota posteriormente demonstrou certa satisfação no impacto gerado. Demonstrando um lado completamente diferente, doce e genuíno, ela expõe seu conhecimento sobe a homossexualidade do irmão e de Keith, levando ao momento mais bonito do episódio, quando o policial fala de forma apaixonada sobre o namorado, expondo a imensidão dos sentimentos que têm por ele.


Por último, o humor negro esteve presente com força em The Foot, destacando-se principalmente na tentativa de Nate de transferir o saco de pedaços de corpo de uma mesa para outra, quando Ruth explica como perdeu 25.000,00 dólares na corrida de cavalos e, claro, quando a viúva sobe o caixão do falecido. O humor, no entanto, não estará presente nos próximos passos da Fisher & Sons, uma vez que a recusa da proposta da Kroehner fez com que efeitos imediatos começassem a ser sofridos tanto no lado dos clientes quanto do pessoal que trabalha na empresa (Rico já foi abordado com uma proposta da empresa internacional, levando também à ameaça de Gilardi de que queria os Fishers fora do ramo em seis meses). Claire incendiou a casa que concorreria com o negócio da família e o que resta agora é esperar as consequências desse ato. Six Feet Under vai, pois, largando a necessidade de apresentar os personagens e alargando os limites de sua.





Por: Série Maníacos

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