O mundo inteiro cabe em São Paulo

Eu e São Paulo temos uma relação complicada e com algumas idas e vindas. Minha primeira passagem por aqui foi em 2009, para um final de semana que incluiu um show no Jockey Club, o mais completo embasbacamento ao caminhar pela Avenida Paulista e queixo ainda mais caído ao entrar no metrô pela primeira vez. Por muito tempo, jurei que a atração mais interessante da capital paulista era justamente essa capacidade de locomoção rápida, de um ponto a outro, por baixo da terra. O tipo de coisa que qualquer metrópole de respeito precisa ter, mas que é rara em terras verde e amarelas.

Se o encantamento veio de cara, foi em São Paulo que estive pela primeira vez em outro país. Andar pelas ruas do Liberdade, com suas luminárias orientais, seus restaurantes japoneses, seus jornais chineses e lojas coreanas, foi coisa de outro planeta. O outro lado do mundo do lado do coração da cidade. Fui embora jurando que um dia viveria aqui; voltei três vezes antes de me mudar de fato.

Nessas passagens mais curtas, conheci outros lados, digo, nacionalidades da metrópole. A festa italiana da Achiropita, os restaurantes peruanos, nordestinos, indianos. Ouvi dizer que havia uma feira boliviana e que mais tantos outros países cabiam nas mesmas ruas, nos mesmos bairros. E do Aeroporto de Guarulhos parti para conhecer um mundo que habitava a cidade de onde partia.

passeios em são paulo

Fui, voltei, e pela primeira vez, percorrendo a Marginal Tietê, achei São Paulo feia. O dia estava fechado, chovia sem parar e o trânsito teimava em não andar.  O cheiro que vinha do rio não ajudava – como qualquer metrópole que se preze, São Paulo tem um lado difícil e nada amigável. Um lado que eu conhecia pela primeira vez.

Voltei pra casa e, meio que sem querer e justamente no momento em que estava em dúvida, fiz as malas e me mudei. Durante um ano, transformei a Zona Oeste da capital paulista em minha. Fiz poucas coisas turísticas, mas, francamente, elas não fizeram falta. São Paulo não é uma cidade de grandes cartões-postais, de programas turísticos imperdíveis e lugares icônicos. O melhor da capital paulista é esse emaranhado de gente, de vários sotaques e nacionalidades, que juntos dão vida a uma das cidades mais interessantes que existem por aí.

Por 12 meses, convivi com baianos e gaúchos, com mineiros e paranaenses, com pernambucanos e, olhe só, até com alguns paulistanos. Vivi numa numa cidade em que ouvir outros idiomas serem falados na rua é comum; me acostumei a saber que São Paulo é de tudo um pouco. E às vezes esse pouco pode ser ruim.

Os piores momentos envolveram ir e voltar do trabalho. Num deles, depois de uma confusão nas linhas do metrô – era junho de 2013, época daquelas manifestações que sacudiram o Brasil – o clima esquentou. Literalmente. O trem parou, lotado. As pessoas começaram a passar mal com o calor. Batiam nos vidros, desesperadas, e uma multidão tentou forçar as portas para sair, eu entre muitos. Saímos, vi idosas e crianças serem carregadas para fora do trem, em transe, e de repente notei que minha mão sangrava, nem sei como.

O metrô lotado, as (muitas) horas de engarrafamento, o trânsito em que pedestre vale menos que nada, as ruas que alagam a cada chuva e os rios que teimam em ser esgoto mesmo após décadas de obras públicas. São Paulo, a cidade do dia a dia, não aquela que conheci como visitante, era mais difícil do que eu imaginava. Some a isso empresas onde bater cartão não existe, em que perguntar por hora extra remunerada era motivo para risadas. Uma cidade cara, caríssima, onde o trabalho consome boa parte da vida e o custo da vida te força a trabalhar mais.

A vida quis que eu fosse embora, mas confesso que quando fui já estava satisfeito. Na última semana, já de malas prontas, fui turista em São Paulo novamente. Percorri o centro, os museus, praças e parques. Fui em estádios, entrei em igrejas e gastei um bom tempo num dos melhores programas turísticos que encontrei aqui: fui ver São Paulo do alto.

Do alto do Martinelli, do Banespa e do Itália. Já vi skylines mais bonitos, mas vi pouquíssimas metrópoles onde a selva de concreto é mais impactante, uma confusão de prédios a perder de vista. Naquela época, perguntei para um estrangeiro que estava de passagem pelo Brasil qual tinha sido a imagem mais marcante da viagem dele. Esperava as respostas óbvias: o Rio, Foz, a Amazônia, alguma praia paradisíaca do nordeste…

A resposta dele foi completamente fora de lógica. Para aquele gringo, nada tinha sido mais impactante do que assistir São Paulo da janela do avião, durante um voo para o Aeroporto de Congonhas. Hoje concordo com ele, por mais que meu medo de avião, corrijo, meu cagaço de avião, me deixe completamente desconfortável em voos para lá. Numa pista curta cercada por arranha-céus, enfrento o pouso agarrando os braços da cadeira e apreciando a vista, tudo ao mesmo tempo.

Nos últimos dois anos, a cidade virou pra mim casa novamente. Segunda casa. Vindas mensais, passeios diversos, tempo para conhecer bares, restaurantes, museus e parques. Frutos de uma relação à distância que me trouxe para São Paulo. Não sou morador, mas quase sou: caminho no Ibirapuera como faço na Lagoa da Pampulha, frequento os bares de Pinheiros como vou nos da minha BH.

São Paulo virou segunda casa e talvez esse seja seu papel ideal pra mim. De todos os lugares do mundo, o que mais me dá vontade de voltar. E não é que hoje acho a cidade linda e cheia de cartões-postais? A Sé, por exemplo, só não tem sua beleza mais valorizada porque não está na Europa e o Ibirapuera não deixa a desejar na comparação com muito Central Park por aí.

Depois de tanta ponte aérea, tenho ainda mais certeza que a beleza de São Paulo está no alto. Odeio pousar em Congonhas; adoro pousar em Congonhas. Curto cada segundo da janela do avião, mesmo que eu sempre faça isso arrancando pedaços dos braços da cadeira.

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Por: 360meridianos

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