[img1][capa][box-leia]“Sempre imaginei que essas mocinhas de concurso de beleza tinham a cabeça mais vazia que bolso de pobre”. Foi dessa maneira debochada que Carmem da Silva, colunista por 22 anos de Claudia, ativa disseminadora de pensamentos feministas, começou um texto sobre a baiana Martha Vasconcellos, eleita Miss Universo em 1968, razão que levou à publicação de seu perfil na revista. No parágrafo seguinte, a jornalista relatava como, cara a cara, havia reconsiderado: “Tive de engolir a ironia, a indulgência, as ideias preconcebidas e admitir que Martha Vasconcellos... tem inteligência, vivacidade, humor, fibra”.
Seria, de fato, um erro reduzi-la aos estereótipos do título. Aquela miss, afinal, sonhava voar mais alto do que apenas viver da sua beleza. “Entrei no concurso para contrariar meu pai, que era muito rígido, e tive sorte. Nunca me achei bonita. Mas foi bom para viajar, abrir a cabeça”, afirma Martha hoje.
Aos 66 anos, ela já foi empresária, viveu três casamentos, criou dois filhos e, aos 52 anos, resolveu cursar psicologia em Cambridge College, nos Estados Unidos, onde morou por 11 anos. “Sempre quis ser psicóloga e em nenhum momento achei que estava velha para começar”, conta. “Na época, fiquei em dormitório de estudante, acampei, fiz tudo o que se faz ao entrar na faculdade”. Formada, ingressou em um mestrado na área de saúde mental e terapia e trabalhou por seis anos na organização sem fins lucrativos Massachusetts Alliance of Portuguese Speakers, em Boston, com imigrantes que tinham o português como língua nativa e, principalmente, brasileiras vítimas de violência doméstica.
Ali, chegou a supervisora. “Fui vítima de violência doméstica no meu segundo casamento, fiz exame de corpo de delito, mas não dei prosseguimento por medo da exposição. Escolhi atuar com mulheres agredidas porque sabia bem o que era aquilo”, diz. A miss recebeu três prêmios internacionais por sua ação nessa área. Há três anos, voltou a se instalar no Brasil, logo após a morte do terceiro marido, John Riely – ou “o Joãozinho” –, com quem manteve uma união de oito anos.
Neste mês, ela ganha uma biografia. O livro, com 700 páginas, é parte da coleção Gente da Bahia, publicada pela Assembleia Legislativa. Martha não foi a única brasileira a abocanhar a faixa de Miss Universo: antes, em 1963, a gaúcha Ieda Maria Vargas havia feito o mesmo. Não ser pioneira, porém, nunca ofuscou seu brilho. Foi até feriado em Salvador quando ela retornou coroada. Mais de 300 mil pessoas saíram às ruas para vê-la desfilar em carro aberto com o glamouroso vestido azul usado na disputa. “Queriam vingar a derrota de outra baiana, Martha Rocha, que, em 1954, teria perdido o título por duas polegadas a mais no quadril, e mostrar ao mundo que temos mulheres lindas”, analisa o jornalista Roberto Macedo, autor da obra.
Martha provou que temos, mas não se acomodou nisso. “Ser bonita na minha família nunca foi motivo de endeusamento. Até porque a beleza acaba e não há o que fazer”, alega. “As maiores felicidades da minha vida foram ter e criar filhos e voltar a estudar”. Esses, sim, eram seus verdadeiros sonhos.
Por: Atitude - Planeta Sustentável
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