“Why god, why?”, gritou Joey, num episódio clássico de Friends, aquele em que todos fazem 30 (temporada 7, episódio 14). O desabafo foi durante a festa de aniversário dele, que jurou que tinha um acordo com Deus: a terceira década de vida não deveria chegar, pelo menos não tão rapidamente.
Eu passei minha adolescência, os vinte e tantos e o último fim de semana assistindo Friends. Foi só de uns anos para cá, naquele limbo entre a faculdade e o começo da vida de adulto não praticante, que entendi a série.
Sabe aquela frustração de estar preso na segunda marcha, de querer que sua vida decole, de sentir que seu trabalho é uma piada, de estar sem dinheiro, de ser um desastre na vida amorosa, talvez isso tudo junto, misturado e servido com uma boa dose de caos e dois dedos de insegurança? Essa fase da vida, os 20 e tantos anos, é assim.
Adulto não praticante
Época de começar a trabalhar e ser o responsável por você mesmo, que provavelmente ainda é um tremendo irresponsável. É aquilo que a Mônica disse para a Rachel no fim do primeiro episódio da série: “Welcome to the real world. It sucks. You’re gonna love it” (Bem-vinda ao mundo real. É uma merda. Você vai amar mesmo assim).
A vida real chegou. E, aos trancos e barrancos, todos nós seguimos em frente. Até que chegam os 30. Tem quem diga que o vilão é Saturno, que completa uma volta ao redor do sol no mesmo momento em que nos aproximamos da terceira década de vida, e tem quem garanta que tudo não passa de mito. Mas, mito ou não, que a crise dos trinta existe, existe. E eu confesso que estava tenso com a chegada do aniversário deste ano, no último dia 17.
Não que eu tenha surtado. Claro que não. Sou uma pessoa equilibrada e tranquila, quase um monge tibetano que acabou de virar trintão. Meu ano, sempre que eu pensava no décimo sétimo dia de novembro, foi mais ou menos assim:
“Este ano eu faço trinta. Estou tranquilo. De boa. Viajei, né. Fiz muita coisa. Trabalhei. Pedi demissão. Trabalhei. Virei Blogueiro. Viajei. De boa. De boa para três décadas. Três décadas. Ainda bem que a expectativa de vida aumentou, né? Mas calma, de boa. Tudo bem que aquele meu amigo tem casa própria, que o outro tem carro, que fulano está casado e com dois filhos, que o Zuckerberg criou o Facebook com 19 anos, que o Steve Jobs fundou a Apple com 21, que Mozart tinha 8 anos e já compunha óperas, que VÁRIOS ESCRITORES JÁ TINHAM TODA SUA OBRA PRONTA AOS TRINTA, ATÉ PORQUE MUITOS DELES MORRIAM DE TUBERCULOSE AOS 22! AHHH.
Surtei. Respira, acalme-se, está tudo bem. Por que, Deus? POR QUÊ?
Veja bem: eu nem sei se quero ter filhos, definitivamente não quero fundar algo parecido com o Facebook e não lamento minha falta de talento para Mozart. Não tenho – e não quero nem de graça – um carro. E investir numa casa própria não está nos meus planos por muito tempo, obrigado, afinal não sei nem em qual cidade vou morar no ano que vem.
O problema é que a entrada na casa dos trinta tem um peso místico, uma sombra social que te faz olhar para o lado, pensar na vida e refletir sobre suas decisões passadas. E isso seria ótimo, não fosse a tendência de fazer essa reflexão na comparação com outros. E não deveria ser assim.
Somos diferentes. Queremos coisas distintas da vida. Temos alvos completamente opostos – ou não. Cada pessoa tem seu próprio tempo, sua forma de ver as coisas e superar o grande desafio que nos é posto assim que batemos cartão neste mundo: crescer. E eu nem falei das circunstâncias, dos privilégios ou da falta deles, fatos que marcam a vida de todos nós, negativa ou positivamente.
Os ataques de pânico aumentaram conforme novembro se aproximava, ainda mais nos momentos em que minha vida não andava da forma que eu queria. Porque, meus amigos, a vida nunca anda da forma como a gente quer. Como escreveu Guimarães Rosa, “O correr da vida embrulha tudo; a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. E, sei lá vocês, mas eu tenho a impressão que 2015, talvez por culpa do danado do Saturno, não está sendo fácil pra ninguém. Pior para alguém que se prepara para ser chamado de trintão.
Tentei resolver o assunto à minha maneira, ou seja, fazendo listas, afinal listas tornam qualquer coisa melhor. Não é muito diferente do que Phoebe e companhia fizeram quando se aproximaram dos 30, mas eu descobri que a tática tem um efeito colateral: o problema é quando você não consegue alcançar tudo que o ditador enlouquecido das listas, a.k.a. você mesmo, teve o disparate de propor. Aconteceu comigo, que cheguei nos 30 com uma lista de 50 alvos, feita no começo do ano, ticada somente até a metade.
E que fique claro que a tal metade só foi alcançada com pedaladas fiscais. Por exemplo, o item se exercitar mais está ticado, mas eu não apareço na academia há duas semanas (ok, há três). Ainda bem que esse alvo nem era dos mais importantes.
E aí? Aí novembro chegou. E com ele a prova de que inferno astral, assim como todo tipo de bobagem, só existe se você permitir. Deixei a lista de lado, abracei meu completo fracasso em alcançar alvos e pulei na terceira década de vida. Quer saber? Eu não poderia estar mais feliz.
Não, minha vida não seguiu o rumo que eu tinha traçado. Mas isso é bom. Eu fico feliz de chegar aos 30 e não ser o cara que eu imaginei quando tinha 20 anos. E fico muito feliz ao saber que tem um monte de coisas que eu ainda não alcancei – e sei que muitas delas eu jamais alcançarei, não importa quanto tempo eu ficar neste planeta. A vida é assim.
Por outro lado, muitas das coisas legais que eu alcancei antes dos 30 – viver deste blog, por exemplo -, só foram possíveis porque eu perdi, admiti o erro e mudei o curso da minha vida.
Perdi inúmeras vezes nas últimas três décadas. Tracei milhares de metas, lutei horrores, fiz planos mirabolantes, sonhei acordado, tive um planejamento de vida detalhado e com inúmeros itens para ticar. E, na maioria das vezes, levei aquele tapa na cara do universo, que me mandou sentar no cantinho e esperar. Eu perdi muito mais do que ganhei. E com isso aprendi que a vida tem seus próprios caminhos. A vida acontece e não pede passagem.
Nas últimas três décadas eu cresci, aprendi, sofri algumas vezes e fui muito feliz. E, bem lá no fundo, eu sempre soube que é isso que importa. Não as viagens que a gente faz, não os alvos que a gente alcança, não os desafios que superamos. No fundo felicidade não tem nada a ver com isso – a felicidade está nas coisas simples. E, por sorte, as coisas simples não precisam de listas.
Eu não faço ideia do que virá pela frente. Só prometo não surtar quando os quarenta chegarem. Pronto, eis o primeiro alvo desta nova década. Tenho certeza que não conseguirei alcançá-lo.
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Por: 360meridianos
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