Depois de circular por quase uma hora, subir e descer escadas e entrar em diversas salas, a moça que nos guiava pelo Palácio do Parlamento de Bucareste comentou que não havíamos conhecido sequer 10% de todo o prédio. Pudera, esse é o segundo maior edifício administrativo do mundo, só perdendo para o Pentágono, nos Estados Unidos. E também é uma parte importante da história do país, exemplo máximo da megalomania do governante responsável pela construção do gigante, o ditador Nicolau Ceausescu (o sobrenome pronuncia-se tchau-tches-co).
Ceausescu subiu ao poder em 1965, depois que o primeiro líder comunista da Romênia morreu. Inicialmente, poderia se considerar que ele era um líder moderado, que mantinha uma política externa mais aberta em relação às nações capitalistas e também se opunha a decisões polêmicas russas, como a invasão da Tchecoslováquia, em 68. Seu plano era tornar a Romênia uma das nações mais poderosas do mundo.
Com os anos, seus traços de megalomania foram aparecendo e crescendo cada vez mais. Ceausescu passou a inspirar-se nos líderes da Coreia do Norte e China, de quem se aproximou. A Romênia era o país do bloco comunista cuja a população era mais privada de direitos civis.
A política econômica, diversos empréstimos e planos mal sucedidos levaram o país a uma crise econômica tremenda. Para solucionar a dívida, no início dos anos 80, o ditador decidiu que toda a produção industrial e agrícola da Romênia deveria ser exportada. Com isso, a população passou a viver com uma cota mínima e insuficiente de suprimentos e comida.
Para piorar a situação, em 1977 ocorreu um terremoto muito forte em Bucareste. Foi a desculpa perfeita para o líder comunista iniciar seu plano de reurbanização da capital, com a construção de um novo centro político administrativo e edifícios monumentais. Para isso, a ordem de Ceausescu foi demolir uma área de Bucareste relativa a todo o tamanho de Veneza, que ficava bem no distrito histórico da cidade.
Mais de 10 mil casas foram destruídas e cerca de 57 mil famílias foram movidas. 20 igrejas, mosteiros e sinagogas foram demolidas (8 delas sobreviveram sendo movidas numa estrutura de engenharia que colocou as construções sob trilhos!) e prédios históricos que viraram pó.
Essa foi uma das igrejas movidas inteiramente pelo trilho do trem e salva
Um enorme boulevard, inspirado na Champs-Élysées, mas seis metros maior, foi construído, com prédios de estilo Stalinista que iriam abrigar a elite do partido comunista. Esse seria, segundo os planos do ditador, o Boulevard da Vitória do Socialismo. As construções dessa avenida deveriam ser altas o suficiente para esconder todo o resto que estivesse ao redor.
O plano não estaria completo sem uma grandiosa construção no final do Boulevard, o “Palácio do Povo”. O nome parece até irônico, se não fosse trágico. A construção do tal Palácio, que hoje abriga o Parlamento Romeno, inspirado em Buckingham e Versailles, começou em 1984.
Foram necessários mais de 100 trabalhadores, que se dividiam em três turnos e cujo trabalho seguia por 24 horas. Todos os materiais utilizados eram do país: centenas de toneladas de mármore, cimento, ferro, madeira, cristais, tecidos, couro, etc. Tudo isso no mesmo período que a população passava fome e outras necessidades por conta das políticas absurdas de austeridade.
No final das contas, são 365 mil metros quadrados do prédio mais pesado e caro do mundo. Em 1989, quando o Muro de Berlim caiu, somente 60% da construção estava finalizada.
Foi no final desse ano que o governo de Nicolau Ceausescu caiu, na revolução romena. Uma revolta na região da Transilvânia, em Timișoara, começou no dia 16 de dezembro, por conta da tentativa de mudança de um pastor local, László Tőkés, de origem húngara, que era crítico do governo. O que começou com pequeno agrupamento da comunidade cresceu numa revolta contra o governo que foi violentamente massacrada.
Ceausescu, que estava viajando na data da revolta, voltou ao país e fez um pronunciamento na TV estatal criticando os eventos em Timișoara como uma interferência estrangeira. E organizou para o dia seguinte, 21 de dezembro, uma passeata em seu favor (basicamente, os trabalhadores foram obrigados a participar).
Só que nesse grupo de pessoas também estavam jovens, estudantes e outros revoltosos, que se aglomeraram na hoje conhecida como Praça da Revolução para ouvir o discurso de Ceaușescu.
Praça da Revolução. O mesmo prédio do discurso, que hoje abriga um ministério de governo. Crédito: Shutterstock
O ditador começou o discurso achando que tinha uma plateia a seu favor e seguiu sua fala com a típica propaganda comunista que estava acostumado a fazer. O problema foi quando a população, cada vez mais irritada, começou a vaiá-lo e gritar frases contrárias ao regime. Essa foi a primeira revolução televisionada do mundo, então é possível ver no YouTube a cara de surpresa de Ceaușescu quando ele levanta a mão na tentativa de calar a multidão, completamente sem sucesso.
Os protestos na praça se intensificaram ao longo do dia e a polícia e os militares partiram para o conflito, para tentar impedir o movimento. No dia seguinte, Ceaușescu tentou fazer outro discurso para acalmar os ânimos, mas claramente piorou a situação.
Para piorar mais, o Ministro da Defesa, Vasile Milea, foi encontrado morto na mesma manhã. Até hoje se discute se ele foi assassinado por ignorar as ordens do ditador ou se ele se matou, mas a verdade é que essa morte levou os militares a se virarem contra o ditador, que mesmo tendo fugido de helicóptero quando a população invadiu o prédio onde ele estava ilhado acabou sendo capturado horas mais tarde.
População toma o prédio do Comitê Central Comunista. Foto: Romanian National History Museum
Tropas nas ruas de Bucareste. Foto: “1989 Libertate Roumanie” by Denoel Paris
No dia 25 de dezembro de 1989, num julgamento organizado às pressas (e bem controverso), Nicolau e sua esposa Elena foram condenados por crimes como genocídio e sentenciados à morte e executados logo em seguida. Todo o processo durou poucas horas.
Os conflitos em Bucareste ainda duraram alguns dias e o partido que assumiu o poder em seguida tinha fortes conexões com o governo anterior. Os crimes de outros membros do governo, da polícia ditatorial ou dos militares nunca foram julgados. Hoje discute-se se a revolução, que matou cerca de 1000 pessoas, não foi uma manobra política calculada para tirar Ceaușescu do poder.
Bucareste hoje e a visita ao Palácio do Parlamento
Hoje é possível visitar parte dessa história, seja caminhando pela Piaţa Universităţii, onde ficam cruzes de pedra em homenagem aos mortos na revolução, ou pela Piata Revolutiei, local onde tudo aconteceu, com o prédio de onde Ceaușescu deu seu último discurso e monumentos em lembrança ao ocorrido.
Claro, é impossível não caminhar pelo gigante e movimentado Boulevard Unirii e observar o Palácio do Parlamento. O edifício surge imponente aos poucos, enquanto você se aproxima. As obras no prédio terminaram nos anos 90, mas ele nunca foi completado da forma que o antigo ditador tinha em mente e várias salas estão vazias. Hoje, abriga a Câmara dos Deputados, o Senado, o Conselho Legislativo e a Corte Constitucional da Romênia.
A entrada para visitantes fica numa rua lateral, a Bulevardul Natiunile Unite. Você precisa estar com passaporte ou documento nacional de identificação para entrar. São visitas diárias, das 10h às 16h (o último tour sai 15h30). No verão, há longas filas, principalmente porque é preciso esperar o próximo grupo das visitas guiadas, que sai a cada meia hora, mais ou menos.
Existem seis tipos de tours diferentes: o Standard, que só explora algumas das salas, a visita ao Terraço, a visita ao Subsolo, e combinações dessas três opções. Os preços vão de 25 a 45 lei (quem quer tirar fotos precisa pagar 30 lei extras). É preciso ficar atento, porém, porque os tours que incluem o terraço e o subsolo só acontecem em horários específicos – cheque no site oficial antes de ir.
Eu fiz o tour: “Standard Tour + Overview of the city – Terrace”, já que a visita ao subsolo não estava disponível no dia que eu estive lá. Gostei muito de conhecer o prédio, que é suntuoso por dentro, e também da aula de história da Romênia que você acaba tendo com a visita guiada.
Por fim, uma curiosidade engraçada que vai encerrar este post. O Ceaușescu nunca teve a chance de discursar do terraço do Palácio do Parlamento, com a vista para o Boulevard Unirii (a mesma da foto acima). Acabou que a primeira pessoa que fez isso foi o Michael Jackson, que esteve em Bucareste em 1992. Só que o artista pop chegou lá no alto e gritou para a multidão:
“Olá Budapeste!”…
Pior que o Michael nem foi o único. Vários artistas fizeram a mesma cagada. Tsk Tsk.
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Por: 360meridianos
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