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Catalunha: uma fronteira invisível na Espanha

Uma das formas mais eficientes de atacar um povo é atacando sua língua. Como disse Olavo Bilac, “A pátria não é a raça, não é o meio, não é o conjunto dos aparelhos econômicos e políticos: é o idioma criado ou herdado pelo povo”. Palavras carregam culturas e visões de mundo. Francisco Franco sabia muito bem disso quando proibiu o catalão. Durante os anos da ditadura franquista, a língua falada por séculos em uma região que ia do noroeste da Espanha, passando pelas Baleares, Comunidade Valenciana, Andorra e norte da França, idioma materno de mais de 5 milhões de pessoas, estava banido do território espanhol, bem como qualquer manifestação cultural associada a ela.

Por quase 40 anos, o catalão precisou se esconder para não morrer. Vivia apenas nos sussurros dentro das casas, nos movimentos de resistência, na literatura marginal. Banida das escolas, uma geração de catalães cresceu analfabeta em sua própria língua. A bandeira, idioma e símbolos espanhóis assumiram ali fortes relações com a opressão fascista, inflando ainda mais um já antigo sentimento independentista.

Com a democracia, o catalão retomou seu vigor e hoje é a primeira língua da região, usada pela administração pública, nos rádios e programas de tv. Aprender a língua é um caminho essencial para os estrangeiros que desejam integrar-se verdadeiramente na região. É verdade que no centro de Barcelona é mais fácil ser atendido em inglês que em catalão, ainda que as bandeiras independentistas (com o triângulo azul e estrela) tremulem nas fachadas das casas, dia e noite.

Nos bairros periféricos, no entanto, a língua local domina. E o espanhol se torna cada vez mais secundário quanto mais nos afastamos das ruas cosmopolitas de Barcelona e nos adentramos na Catalunha profunda das montanhas e vales. Para algumas pessoas, o domínio do catalão é tão forte no seu dia a dia que comunicar-se em espanhol com estrangeiros é fazer o esforço de usar uma língua estrangeira, ainda que hoje a Catalunha mantenha o sistema de educação bilíngue.

Bandeiras - Catalunha

A história do nacionalismo catalão é antiga, com raízes nas sucessivas conquistas e repressões sofridas por esse povo, nos séculos 18 e 19. O franquismo, no entanto, ajudou a por lenha na fogueira do movimento nas últimas décadas e tem crescido com o passar dos anos, ainda que os níveis de reivindicação sejam variados: há quem sonhe com a criação de um novo Estado e quem busque apenas a autonomia regional ou o federalismo. Mas em uma coisa os nacionalistas concordam: para eles, a Catalunha é uma nação distinta, oprimida pela Espanha desde a época da ocupação das tropas borbônicas, no século 18, quando a cultura, as instituições e o direito de autodeterminação desse povo passaram a ser sucessivamente suprimidos.

E essa nação não tem como pilar apenas sua língua, ainda que essa seja uma das mais fortes manifestações dessa gente. A Catalunha possui sua matriz cultural, costumes, tradição literária e histórica e, mais importante, um povo que é unido por essa forte identidade. Se ali rejeitam o rótulo de espanhóis não é por birra ou rebeldia. É porque, de fato, ao serem incorporados por um Estado que não lhes representa, não se sentem assim.

Eu não acredito em fronteiras traçadas à régua. São arbitrárias, anti-naturais, exclusivas. As únicas fronteiras possíveis são as difusas. São essas fronteiras que se arrastam por quilômetros, que observam mudar os hábitos, as palavras e a genética gradualmente até que, sem se dar conta, você está em outro lugar. Essas fronteiras que nos presenteiam com essa incrível diversidade cultural, como a fronteira que gradativamente transforma a Espanha em Catalunha. Eu não sei se algum dia esse pedaço de mundo vai alcançar a independência ou quais seriam as implicações políticas disso. Mas, por todos esses motivos, a Catalunha já é um país. Visca!

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Por: 360meridianos

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