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Um Minotauro gigante e os 20 anos de história da Cia La Machine

“Por meio dessas máquinas vivas, a cidade se torna um mundo dos sonhos”. Nenhuma fala poderia explicar melhor a visão de um Minotauro de 14 metros de altura e 47 toneladas, feito de madeira e ferro, caminhando em minha direção com movimentos perfeitos, quase humanos.  

Close up do Minotauro de Toulouse Movimentos da Maquina

Ele é capaz de piscar os olhos, mover os braços, o rabo e até a língua, além de soltar suspiros e mugidos molhados, como um bom touro. Segundo Suzane, a Veritable Machiniste que me acompanhou na visita ao Halle de La Machine, em Toulouse, também corre numa velocidade de até 97 km/h. Essa criação, e diversas outras, vem da cabeça louca de François Delaroziere.

O francês trabalhou por anos na La Compagnie Royal de Luxe, uma grande empresa francesa de marionetes mecânicas. Em 1999, Delaroziere decidiu unir artistas, técnicos de espetáculos e pessoas relacionadas a indústrias de tecnologia avançada para construir máquinas e objetos impressionantes. Assim surgiu La Compagnie La Machine. “No coração da ideia artística da La Compagnie, movimento é interpretado como linguagem, como fonte de emoção”, explica Delaroziere. Ele atua como diretor artístico e cenógrafo da empreitada. “Esses objetos inusuais foram esculpidos, modelados e montados com consciência e, às vezes, como uma dose de loucura”.

Croqui Minotauro Compagnie La Machine

O nascimento das máquinas

O primeiro trabalho importante da La Machine foi o The Grand Repertoire – Machines de Spectacle. O espetáculo de rua foi exibido de 2003 a 2006, em Nantes, Calais, Toulouse, Anvers, Marseille e Paris, reunindo mais de 700 mil espectadores. O show marcou a La Machine como uma importante companhia de espetáculos – e François Delaroziere como o cenógrafo e diretor.

Aranha das Performing Machines Francois Delaroziere

Aranha do espetáculo “Performing Machines”. Crédito: Francois Delaroziere

Ao mesmo tempo, a companhia seguiu criando projetos malucos, como La Symphonie Mécanique, que combinava o mundo da música clássica com tons mecânicos, ou Aéroflorale II, The Botanical Expedition, uma expedição temática das plantas que já cruzou a Europa e a América Latina.

Veritable Machiniste Halle de La Machine Toulouse

O Veritable Machiniste tocando um dos instrumentos da “Sinfonia Mecânica”

croquis projeto aeropostale II la machine

Croqui do Projeto Aeroflorare

Em 2008, para a comemoração da Capital Cultural Europeia em Liverpool, uma aranha gigante surpreendeu os habitantes da cidade, circulando pelo centro. Apelidada carinhosamente de “Princesa”, a imagem do monstro de 38 toneladas descendo de um prédio rodou o mundo. Parte do espetáculo Les Mécaniques Savantes, a princesa já esteve no Japão. Na China, um cavalo-dragão chamado Long Ma Jing Shen integrou um grande show de arte de rua em Pequim. Depois, foi apresentado na França e no Canadá.

Segundo o diretor artístico, “a qualidade dramática das máquinas vem da sua metamorfose na cena teatral”. Em primeiro lugar, ele pontua a importância da interação entre máquinas e humanos no show. Segundo ele, a força dramática se perderia sem os dançarinos, músicos ou assistentes de palco que acompanham as máquinas. Além disso, Suzane, minha guia, explicou que cada movimento das máquinas é tão humano porque é guiado por uma pessoa, que usa um exoesqueleto computadorizado: a maquina imita os movimentos da artista. “Esses mediadores enfatizam a relação entre homem, máquina e movimento. Assim, tomamos cuidado particularmente em não transformar a máquina, mantendo sua estética mecânica pura. É a intervenção humana da manipulação, discurso, música e dança que dá vida às maquinas”, completa Delaroziere.

Parte da força dos espetáculos também está no uso do espaço público. Posicionar as enormes máquinas vivas em locais do dia a dia da cidade tem como objetivo transcender e transformar a visão que os próprios habitantes têm daquelas ruas e prédios. “Essa forma de show vivo agora inclui a arquitetura no seu roteiro teatral. O teatro que nós praticamos é o de rua e a ação é na rua. Nosso objetivo é surpreender e perturbar espectadores não-cativos, que se tornam uma audiência de esquina. Nós vemos a arte de rua como sendo uma ação unificadora do espaço público.”

Minotauro Guardiao do Templo em Movimento mugindo Toulouse Minotauro Guardiao do Templo 1

O Guardião do Templo

Um bom exemplo para explicar todos esses espetáculos é o último show desenvolvido pela La Compagnie La Machine, o “Guardião do Templo”, que ocorreu durante quatro dias, em Toulouse, no sudoeste da França, em novembro de 2018.

Buscando a ideia de capturar os mitos como parte de um imaginário coletivo, La Machine inspirou-se numa história antiga. Em 1993, ocorreram escavações arqueológicas numa das praças do centro histórico da cidade, a Esquirol. Ali os cientistas descobriram as bases de um antigo templo etrusco, com fragmentos de algo escrito em pedra. Durante 25 anos, os pesquisadores tentaram compreender o significado da escrita e, dizem ter conseguido decifrar uma profecia:

“Toulouse, que é marcada por ouro, fogo, sangue e água, verá esse templo desaparecer. Seu guardião enterrado abaixo da terra permanecerá. Quando o dia chegar ao templo, finalmente descoberto, o guardião precisará de 50 equinócios para retornar a vida. Protetor da cidade, ele irá renascer pelas águas do rio, graças a uma nova lua azul. Caminhando em busca do templo, perdido no coração do labirinto, apenas a Ariadne metamorfoseada irá guiá-lo até sua nova casa”.

Aranha Ariadne La Compagnie de La Machine

E assim, em 2018, 26 anos depois da escavação na praça Esquirol, Toulouse veria o guardião da cidade reaparecer. Segundo a Companhia, a ideia do show Guardião do Templo é reinventar os códigos e o conteúdo dessas histórias e providenciar um novo mito a ser compartilhado. A ideia do minotauro, segundo eles, tem a ver com elementos simbólicos da história da cidade.

Leia também: O que fazer em Toulouse, um guia completo para visitar a cidade

Minotauro de frente Toulouse Halle de La Machine

Construção La Machine credit: Emmanuel Bourgeau

Foto: Emmanuel Bourgeau

E assim diversos distritos do centro de Toulouse serviram de palco para a história do guardião. No primeiro dia, o minotauro surgiu dormindo e passou a ser guiado pela aranha, que representava Ariadne e sua teia. Cada um dos dias marcou um dos quatro atos dos espetáculos, com as máquinas se movendo pelo espaço público, passando pelas ruas, praças e avenidas do coração da cidade.

Projetos de transformação urbana

Além dos grandes espetáculos, La Machine também atua com projetos de revitalização urbana. Enquanto o Guardiões do Templo em Toulouse marcou a instalação do Halle de La Machine, um espaço de visitação das antigas máquinas e objetos criados pela companhia, com o objetivo de participar da construção de um novo bairro, esse trabalho já é famoso em outros cantos da França, especialmente em Nantes, que é berço da La Compagnie.

Em 2007 nasceu, na Ilha de Nantes, o Grande Elefante, que marcou o início do império das máquinas na cidade. Em 2012 foi criado o Carrossel do Mundo Marinho e o próximo projeto de intervenção urbana será a Árvore das Garças, uma estrutura de ferro com 22 galhos, jardins suspensos e bestas mecânicas que voarão acima da árvore, carregando até 20 passageiros. O projeto é parte da revitalização do bairro bas-Chantenay, em Nantes.

Desenho Garca Compagnie La Machine Toulouse

Ideia semelhante foi usada para atrair visitantes à pequena La Roche sur Yon, de 50 mil habitantes. Ali, a Compagnie criou o projeto “Animais da Praça”.

Em Toulouse, o objetivo do Halle de La Machine é contribuir para o nascimento de um novo bairro, chamado Montaudran. No local, um time de artistas, os Veritable Machinistes, dá vida às maquinas, não apenas as operando, mas contando as histórias e lendas num espaço constantemente renovado. Essa é uma oportunidade para La Compagnie La Machine testar produções ainda não lançadas.

projeto urso para madrid la machine franca

Urso projetado para Madri, que acabou não sendo usado (ainda)

Informações Práticas

  • Halle de La Machine – Toulouse, França

O Halle de La Machine fica no endereço: 3, Avenue de l’Aérodrome de Montaudran. Abre de terça a sexta, com horários que variam de acordo com a baixa e a alta temporadas. São nove euros para visitar o Hall, onde há diversas peças interativas de antigos espetáculos, as duas aranhas e o minotauro.  E outros nove euros para andar nas costas do Minotauro (ou €16 para as duas coisas). 

Quermesse Compagnie la machine

  • Les Machines de l’Ilê – Nantes, França

A grande oficina da La Machine em Nantes fica no Parc des Chantiers, Boulevard Léon. Os dias e os horários de abertura das atrações variam ao longo do ano: confira a agenda oficial antes de ir

Você pode comprar o bilhete para viajar no Grande Elefante (€8,50), visitar a Galeria das Máquinas (€8,50) ou circular no Carrossel do Mundo Marinho (€8,50). Qualquer desses bilhetes inclui também acesso aos terraços da oficina de trabalho, a visão dos protótipos da Árvore das Garças e um filme explicativo. 

  • Agenda de Shows e Intervenções Urbanas da La Compagnie La Machine pelo mundo

Você pode conferir no Site Oficial e no Facebook da Companhia informações sobre novos shows, inauguração de máquinas e outros projetos de intervenção urbana pelo mundo. 

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Por: 360meridianos

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