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Amazônia, uma breve história da maior floresta tropical do mundo

O gosto da água marcou para sempre as memórias dos homens. Após meses de navegação por um rio que tendia ao infinito, os 50 marinheiros da expedição comandada por Francisco Orellana perceberam, pelo sabor de sal na boca, que o maior rio do mundo, uma monstruosidade de curvas, cores, vidas e povos, tinha finalmente chegado ao fim – eles tinham desaguado num oceano.

Qual? Não sabiam. Assim como não faziam ideia de que rio era aquele. Os índios o chamavam de Paranaguaasu, palavra tupi-guarani que significa “Rio Grande”. Os marinheiros também não sabiam, mas aquele era o mesmo rio cuja a foz o explorador espanhol Vicente Yáñez Pinzón tinha encontrado em 1500, no alvorecer das Grandes Navegações. A quantidade de água doce era tão grande, e avançava tanto no Atlântico, que os primeiros espanhóis tinham batizado o rio de Santa María del Mar Dulce.

Mas não foi esse o nome que ficou. Em 1541, a expedição de Francisco Orellana tinha partido dos Andes, cruzando a cordilheira em busca de uma lendária floresta que seria repleta de árvores de especiárias. As riquezas nunca vieram e e foi a morte que milhares de membros daquela aventura encontraram no meio do caminho. Já do outro lado da cordilheira, com o grupo diminuído ao extremo, eles localizaram um rio. Construíram, das árvores da floresta, um barco, e 50 membros da expedição resolveram navegar rio abaixo em busca de uma saída – o restante aguardou e, após ficar claro que o barco não retornaria, a maior parte do grupo fez a longa travessia de volta ao Peru.

Ilha do Marajó, Pará

Ilha do Marajó, Pará

Quem estava no barco descobriu um mundo novo, em estado líquido, cheio de animais e plantas que europeus nunca tinham visto antes. E densamente povoado: segundo a historiadora Maria Yedda Leite Linhares, a Amazônia “foi a área de maior concentração populacional da América no período imediatamente anterior ao contato com os conquistadores”. Já o arqueólogo norte-americano Michael Heckenberger calcula que a população amazônica antes da conquista tinha entre 4 e 10 milhões de pessoas. Hoje, a região tem cerca de 26 milhões de habitantes.

Gaspar de Carvajal, o cronista daquela expedição, descreveu aldeias gigantescas. E, no contato com os índios, ouviu a história de uma terra onde habitaria uma tribo de mulheres guerreiras. Assim nasceu o nome Amazonas, uma referência à mitologia grega.

100 anos depois, Cristóbal de Acunã, outro padre jesuíta, participou da segunda expedição dos conquistadores por todo o rio Amazonas. Em O Novo Descobrimento do Rio das Amazonas, Acunã descreveu as aldeias nas margens do Tapajós: “Essas nações ficam tão próximas umas das outras que, em muitas delas, dos últimos povoados de uma se pode ouvir o lavrar de madeira nas outras. (…) Diariamente, vinham ao acampamento em mais de duzentas canoas cheias de crianças e mulheres, trazendo frutas, pescados, farinha e outras coisas mais em troca de miçangas, agulhas e facas”.

“Pois se o Ganges rega toda a Índia e, de tão caudaloso, escurece o mar quando nele deságua, fazendo-o perder seu nome e se chamar Golfo de Bengala; se o Eufrates, afamado rio da Síria e parte da Pérsia, faz a delícia desses reinos; se o Nilo irriga o melhor da África, fecundando-a com sua corrente – o rio das Amazonas banha reinos mais extensos, fertiliza mais planícies, sustenta mais homens e aumenta suas águas com oceanos mais caudalosos”.

Cristóbal de Acunã, cronista espanhol, em obra de 1541

Um rio insuperável no coração da maior floresta do mundo

Aquela história de que a selva sul-americana é o pulmão do mundo é equivocada. Na realidade, esse papel é exercido pelas algas marinhas, responsáveis pela oxigenação de 55% do planeta. Mas a Amazônia tem outros papéis importantíssimos – e números incomparáveis.

Um morador de Londres leva um ano inteiro para ver o que o Amazonas faz em um único dia. Em outras palavras, o Amazonas lança no Atlântico, a cada período de 24 horas, tanta água quanto o Tâmisa leva através de Londres num ano inteiro. São duzentos milhões de litros por segundo, o suficiente para abastecer em duas horas toda a água usada pela população de Nova York em um ano.

Vista área de rios na floresta amazônica

Por Caio Pederneiras, Shutterstock.com

O Amazonas é também o maior rio do mundo em comprimento, embora essa seja uma constatação recente – e polêmica. Em 2008, uma expedição revelou que o Amazonas é 140 km mais extenso do que se pensava. Com isso, tem 6.937 km, cortando todo o norte da América do Sul, sendo um pouco maior que o Rio Nilo.

Os aguaceiros diários são uma marca da Amazônia. Calcula-se que a precipitação pluvial por ali chegue a ser 40 vezes maior do que a registrada em algumas florestas temperadas. Mesmo assim, a enchente anual do Amazonas é de apenas 10 metros, “a metade do nível máximo do rio Ohio ao passar por Cincinnati”, como explicou a arqueóloga Betty Meggers, autora do livro Amazônia, a Ilusão de um Paraíso. Isso é explicado pela localização equatorial do Amazonas, que tem afluentes em hemisférios diferentes. “Se assim não fosse, as enchentes seriam catastróficas”, escreveu Meggers. Ela completa:

 “A planície Amazônica, tal como se apresenta hoje em dia, é o produto de milhões de anos de evolução do ecossistema”.

Betty Meggers

No século 18, o cientista suíço Louis Agassiz escreveu sobre a selva brasileira e o maior dos rios:
“O Amazonas alimenta cerca de duas vezes mais espécies de peixe do que o Mediterrâneo e um número muito mais considerável do que todo o Oceano Atlântico, de um polo ao outro. Todos os rios da Europa, do Tejo ao Volga, não alimentam mais que 150 espécies de peixes de água doce; no entanto, num pequeno lago perto de Manaus, chamado Lago Hyanuary, com uma área de 400 metros quadrados, descobrimos mais de 1200 espécies diferentes, a maioria das quais ainda não tinha sido encontrada em qualquer outro lugar”.
Louis Agassiz, cientista suíço
Tantos superlativos fizeram com que, logo após a conquista, a Amazônia entrasse no imaginário mundial. Comparações com o Jardim do Éden não foram poucas. Na visão dos primeiros europeus, a Amazônia era o paraíso perdido. Aventureiros e conquistadores passaram a entrar na selva com frequência, o que foi dizimando a população da região. Duas doenças que hoje são sinônimos dessa área na realidade foram levadas para lá pelos europeus: a malária e a febre amarela. E os índios foram, pouco a pouco, cada vez mais para o interior da floresta, numa tentativa de fuga da escravidão imposta pelos conquistadores.
O século 20 já tinha dado as caras e aventureiros ainda buscavam por cidades perdidas na Amazônia – tantos perderam a vida em busca de uma das várias versões de Eldorado que, aos poucos, a Amazônia deixou de ser o paraíso perdido, e logo se tornou uma expressão do inferno, o tipo de lugar onde a sobrevivência era uma luta diária. O mais famoso dos exploradores que a Amazônia engoliu foi o britânico Percy Harrison Fawcett, que passou décadas buscando uma lendária cidade perdida, que ele chamou de Z.
E até um ex-presidente dos Estados Unidos se aventurou na selva brasileira. Foi Theodore Roosevelt, que, após sair da vida política, participou de uma expedição liderada por Cândido Rondon.

Amazônia: Do Ciclo da Borracha ao Chico Mendes

vista área da amazonia

Por Gustavo Frazao, Shutterstock.com

Em termos econômicos, a Amazônia nunca chamou tanta atenção como no Ciclo da Borracha (1879 a 1912). Numa época em que a borracha, fruto de árvores da Amazônia, passou a ser usada em tudo, de carros a bicicletas, de cabos submarinos a navios a vapor, a região chegou a produzir 95% da borracha do mundo. A riqueza dos grandes empresários foi instantânea e nessa época Manaus chegou a ter o maior cais do planeta, capaz de descarregar até três toneladas de carga por minuto.

Nessa época a cidade tinha também um custo de vida superior ao de metrópoles como Londres e Nova York e modernidades que não existiam em outras partes da América do Sul, como um serviço de bondes e luz elétrica pública. Segundo o jornalista Joe Jackson, em 1910, que foi o pico do boom da borracha, estima-se que até 150 mil pessoas trabalhavam como seringueiros, “sangrando” 21 milhões de árvores. A vida da base da pirâmide, no entanto, não era fácil: “em 1899, um relatório do Cônsul americano em Belém dizia que a cada 100 novos recrutados para trabalhar como seringueiros, 75 morriam, fugiam ou partiam por causa das doenças”.

O Ciclo da Borracha se encerrou por causa do maior caso de biopirataria do mundo. Em 1876, o inglês Henry Wickham traficou 70 mil sementes de seringueira para a Inglaterra. Duas mil germinaram e foram levadas para as colônias britânicas na Ásia, quebrando o monopólio sul-americano da borracha. No fim da década de 1920, apenas 2% da borracha consumida no mundo vinha da Amazônia.

No fim do século 20, a borracha e as seringueiras voltaram ao noticiário: Chico Mendes se tornou um nome conhecido em todo mundo. Líder seringueiro, ele participava ativamente dos empates, uma técnica de manifestação pacífica em que os seringueiros protegiam as árvores com os próprios corpos, impedindo o desmatamento.

Chico Mendes recebeu inúmeras ameças de morte antes de ser assassinado, em dezembro de 1988. Dias antes, ele chegou a prever, por escrito, o que aconteceria, em citação do ótimo livro Chico Mendes, Crime e Castigo, de Zuenir Ventura:

“Não quero flores no meu enterro, pois sei que irão arrancá-las da floresta. Quero apenas que meu assassinato sirva para acabar com a impunidade dos jagunços sob a proteção da PF do Acre que, de 1975 para cá, já mataram mais de 50 pessoas como eu, líderes seringueiros empenhados em defender a Floresta Amazônica e fazer dela um exemplo de que é possível progredir sem destruir. Adeus, foi um prazer. Vou para Xapuri ao encontro da morte, pois dela ninguém me livra, tenho certeza. Não sou fatalista, apenas realista. Já denunciei quem quer me matar e nenhuma providência foi ou será tomada”.

Para saber mais:

O Descobrimento do Rio das Amazonas, de Gaspar de Carvajal
Novo Descobrimento do Rio Amazonas, de Cristóbal de Acuña
O País da Canela, de William Ospina
O Ladrão no fim do Mundo, de Joe Jackson
Amazônia: a ilusão de um paraíso, de Betty J Meggers
Z, A Cidade Perdida, de David Grann
Esqueleto na Lagoa Verde, de Antonio Callado
Chico Mendes, Crime e Castigo, de Zuenir Ventura
Xingu, os índios, seus mitos, de Orlando Villas Boas e Cláudio Villas Boas
Nas Selvas do Brasil, de Theodore Roosevelt

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