Volta e meia surge um personagem de TV brasileiro, seja vilão ou do núcleo de comédia, cujo bordão é vangloriar sua riqueza e ao mesmo tempo demonstrar sua profunda aversão “a coisa de pobre”. Esses personagens não surgem do nada – existem porque faz parte do imaginário das pessoas ver na pobreza dos outros toda a culpa dos males do mundo. E, apesar de no Brasil isso ser tão escancarado dada a nossa desigualdade social brutal, não é só no nosso país que existe essa visão maligna de “coisa de pobre”.
Há algumas semanas eu estava conversando com uma proprietária de um pequeno hotel familiar, numa cidade bem pequena em Portugal. Enquanto ela me contava sobre a história do seu negócio, fez questão de me dizer, mas evitando o tempo inteiro dizer a palavra “pobre”, o quanto os seus clientes eram diferentes, tinham um nível mais alto e por isso eram mais sensibilizados e exigentes e não faziam parte do “turismo de massas”.
Poucos dias depois apareceu na minha timeline a notícia de que o turismo do Qatar andava interessado em atrair turistas “de alto padrão”, como famílias e turistas de negócios, e não estava interessado em, segundo eles, “mochileiros que só querem pagar $50 num quarto, deitar na praia o dia inteiro e andar por aí de short e mochila. Não são essas as pessoas que estamos procurando”, disse o responsável pelo órgão de turismo de lá. Vocês podem ler a matéria toda aqui, em inglês.
A grande questão para mim não é quem cada um quer receber no seu próprio hotel ou no seu país. Quer cobrar centenas de dólares? Que seja. Mas não me venha confundir turistas-que-podem-pagar com turistas conscientes. Pois nos dois exemplos acima há uma clara associação entre quem tem dinheiro e quem é educado e busca experiências diferenciadas numa viagem.
O presidente da Qatar Airways também afirmou: “Nós queremos atrair todos os tipos de turista, desde que estejam aqui para relaxar, para uma experiência única, para ver a cultura e conhecer a parte artística do turismo”. Ele também falou que não queria saber de quem anda de mochila e fica na praia o dia inteiro.
É feita a associação de que quem tem menos dinheiro para gastar é fraco não só de conta bancária, mas também de cultura, consciência e todo resto. Como se quem tem muito dinheiro não deitasse na praia o dia inteiro, como se só quem tem muito dinheiro tenha interesse em museus, arte e cultura. Como se só quem tem muito dinheiro tenha consciência sócio-ambiental.
Se fosse assim, não tinha tanto resort all inclusive em lugares onde falta água potável e comida para população local. Não tinha tanta gente indo abraçar tigres dopados como se fossem gatinhos. Não tinha tanta gente subindo em patrimônio histórico e destruindo coisas para tirar selfie. E, veja bem, eu não posso nem me declarar totalmente inocente de todas as acusações acima.
O turismo de massas é tão prejudicial, preocupante e incomodo não porque as massas são formadas por pessoas sem muita grana no bolso. É porque é um monte de gente, DE DIVERSOS PERFIS SOCIAIS, indo para o mesmo lugar, sem consciência. Porque fazem atitudes de massa sem pensar. Porque o ser humano tem uma tendência em repetir comportamentos que destroem patrimônios e ecossistemas só porque alguém fez antes e a foto ficou legal. Isso sem esquecer, claro, da falta de estrutura e planejamento de muitos destinos turísticos para receber esses turistas de forma sustentável, algo infelizmente comum.
Numa boa, o mundo deveria entender que ter alto poder aquisitivo não trás consciência para ninguém. Que um bom viajante não é definido pelo critério “se está de mochilão” ou de “mala Rimowa”. Se anda de chinelo ou salto. Se gosta de música A ou B.
Se você alguma vez foi a algum lugar e pensou como ali era bom porque era “bem selecionado”, pare e pense: que seleção é essa? Será que é bem selecionado porque são poucas pessoas ali? Ou porque elas são parecidas com você? Será que o comportamento dessas pessoas bem selecionadas é tão correto assim? Ou você só acha correto porque é semelhante ao seu?
Eu acho que a única coisa que diferencia o turista com dinheiro do sem dinheiro é a quantidade de compras que o primeiro pode ou não fazer. Viajar não torna ninguém automaticamente uma pessoa melhor. Tem gente interessada em cultura em hotel 5 estrelas e hostel.
Tem gente em hostel que só quer saber de se deitar na praia, tem gente em camping que quer visitar museu, tem gente em hotel de luxo que não abre mão de conhecer a cultura local de perto. Meu ponto é que tem todo tipo de viajante em todos os lugares. A ao invés dos destinos turísticos terem a ilusão de que é o dinheiro que vai definir “um bom turista”, eles poderiam começar a pensar formas de como educar e fiscalizar melhor as pessoas que os visitam e, tão importante quanto, as atrações turísticas.
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Por: 360meridianos
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