Só perdi a paciência no terceiro frentista. Não quando o primeiro colocou a cabeça dentro do carro e tentou ver o que eu tinha na carteira, insistindo por uma gorjeta alta; tampouco quando, já no segundo posto de gasolina, entreguei uma nota de 1000 pesos para uma conta de 200, mas quase fiquei sem troco. Mas o terceiro, bem, esse me tirou do sério. Acabei balbuciando palavras nada amigáveis num portunhol incompreensível. O que, óbvio, só piorou a situação.
Além de forçar o abastecimento com a gasolina mais cara disponível – e mesmo com pedidos insistentes para que fosse colocada a comum e mais barata – o frentista fingiu que abasteceu, cobrou 100 pesos por isso e se fez de bobo quando eu denunciei o golpe. Saímos do posto de gasolina debaixo de gritos nada amigáveis, esses num espanhol claro e compreensível. E eu tremia de raiva.
Isso aconteceu em Cancún, no México, no mês passado. E não foi a única experiência do tipo por lá. Se não tivemos problemas nas outras partes do país, bastou colocar os pés nos arredores da Riviera Maya para que nos transformássemos num alvo piscante e com avisos sonoros que deixavam claro que turistas tinham acabado de desembarcar. A partir daí foi tentativa de golpe atrás de tentativa de golpe – muitas deixaram o plano das tentativas e passaram para o de golpes concretizados, como o taxista que cobrou um valor pelo menos cinco vezes maior que o justo, numa corrida curta para o hotel.
Akumal, México
Situação que não se restringe ao México, claro. Onde há uma multidão de turistas, pode apostar que há um exército de golpistas pensando nas formas mais elaboradas de sacar alguns dólares de mãos distraídas. Isso vale para os arredores da Torre Eiffel, em Paris, onde já tentaram me aplicar o golpe da prancheta: uma mulher se aproximou, falando sobre um abaixo-assinado para uma causa nobre qualquer. Foi assinar para os pedidos por dinheiro – aos gritos – começarem.
Do taxista que devolve o troco em notas falsas em Buenos Aires ao vendedor que oferece uma lente de câmera baratíssima em Hong Kong, mas que após a compra diz que não tem o equipamento no estoque e força que você leve uma bem pior no lugar: tem de tudo. Já vi até uma porção de carne de porco ser usada para tentar tirar uns trocados a mais de turistas, em Praga, na República Tcheca.
Na Índia, os golpes eram constantes e podiam ser tão elaborados quanto um desfile de carnaval. O mais básico era dado por motoristas de tuk-tuk, logo depois da chegada numa cidade. “Esse hotel que você quer ir fechou”, ouvi várias vezes. Só o motivo variava: fechou por causa de um incêndio, porque faliu, porque nunca existiu… Às vezes, quando havia um pouco mais de sinceridade, o hotel não tinha fechado, mas apenas era “muito ruim”, uma espelunca. Mas o objetivo era o mesmo, sempre – levar o viajante para outro hotel, onde o motorista tinha combinado uma comissão.
O mesmo esquema funcionava para trens. Foi entrar numa estação, em Delhi, para dois homens uniformizados informarem que o trem que iríamos pegar havia sido cancelado. A saída seria comprar uma passagem de ônibus, diziam eles. Tudo muito prestativo, não fosse o detalhe, logo aprendido por todo turista que desembarca no país – eles não eram funcionários da estação e o trem não tinha sido cancelado. Estava lá, esperando por nós. Tudo isso aconteceu na frente da policia, que nada fez.
Bangkok, Tailândia
O golpe do trem pode ser muito mais elaborado. Todos os dias turistas são levados para falsos escritórios do sistema ferroviário, onde os que fingem ser funcionários repetem a ladainha do “seu trem foi cancelado, você precisa comprar esse ônibus que custa cinco vezes mais”. Muitos caem e vão embora do país sem se dar conta disso, afinal seria muita imaginação pensar que alguém criou um escritório falso com funcionários falsos para dar um golpe em turistas distraídos.
Nenhum golpe é mais comum e simples que o do batedor de carteira, porém. O primeiro passo é a distração: pode ser alguém que pede uma informação, algo que é jogado na sua frente ou até a combinação cocô de pombo na sua roupa e uma pessoa que se oferece para limpá-lo para você (mas que leva sua carteira ou celular junto). Eles estão em ação de Londres a Barcelona; de Buenos Aires a Nova York e Roma. E até dentro do Palácio de Versailles, a antiga casa da realeza francesa e que cobra uma entrada caríssima dos visitantes, há cartazes alertando sobre o trabalho cuidadoso dos batedores.
Veja também: 5 golpes contra turistas para você ficar esperto
No Brasil não é diferente, claro, principalmente se você for gringo. Num texto publicado em fevereiro, pela Viagem & Turismo, a brasileira Luiza Damásio, que mora no exterior e veio visitar terras verde e amarelas, contou sobre os vários golpes que ela sofreu (ou quase) ao ser confundida com gringa. “Era ano de Copa? Era. O pessoal anda garantindo o 13º salário com antecedência? Sim. Mas em cima da gente, dessa forma tão descarada, pega mal! O Rio poderia tratar melhor seus visitantes. Assim ninguém vai querer voltar!”, escreveu ela.
Claro que há casos e casos, mas foi com essa mesma sensação que deixei Cancún. E senti algo parecido na Índia e na Tailândia. O problema é quando as tentativas de golpes vêm em sequência, ligando o modo alerta máximo – aquele que te faz desconfiar de tudo. Além do estresse óbvio – e justificado – desconfiar de tudo e de todos passa longe de ser uma coisa legal.
Nessas horas a saída é focar nas coisas boas e tentar se lembrar que os golpistas ainda são minoria. Para cada pessoa tentando tirar dinheiro indevidamente de você há uma multidão de moradores locais dispostos a te avisar e ajudar. Do Brasil ao Japão, “há, neste mundo, mais medo de coisas más do que coisas más propriamente ditas”, disse o escritor moçambicano Mia Couto. Que os batedores levem o dinheiro. Não levarão a vontade de viajar.
*Imagem destacada: shutterstock.com
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