Sabe aquele hábito de cidade do interior, em que todos os vizinhos se conhecem, são amigos, trocam xícaras de açúcar e bolo de fubá? Em cidades enormes isso se perdeu. Talvez você até seja amigo ou amiga do algum vizinho, mas é difícil conhecer o prédio inteiro, ou todas as pessoas das casas da rua em volta. Principalmente se você é estrangeiro e mora naquele bairro há pouco tempo. Mas isso não impedirá que um estranho acontecimento ocorra, caso você se mude para a Europa: um dia, você vai descobrir, chocado, que aquela encomenda que fez pela internet foi entregue na casa de um vizinho que você nunca viu na vida.
Dependendo da rotina do dito vizinho – que você desconhece – talvez vai levar muitos dias para que você receba o tal pacote. Ou a situação oposta: o entregador pode ser bastante insistente para te entregar uma encomenda de um vizinho que nunca você viu, sem que você tenha a menor ideia de quando ele vai aparecer para buscar a caixa.
A primeira vez que eu vi uma situação dessas acontecer terminou de forma trágica. Uma amiga de Coimbra mandou o computador para a assistência técnica. Eles devolveriam por uma entrega de transportadora. O cara da transportadora não foi na hora combinada, por isso, não tinha ninguém em casa. O que ele fez? Bateu no vizinho de baixo, entregou o computador e foi-se embora como se nada tivesse acontecido.
Só que esse vizinho, descobriu minha amiga, tinha uns problemas com drogas e recebia pessoas estranhas em casa. Ele admitiu que tinha sim recebido o computador, mas não fazia ideia de qual era o paradeiro dele naquele momento. O computador original nunca mais foi visto, a Microsoft mandou outro para ela e não se sabe o que aconteceu com o cara da transportadora.
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Eu guardei essa história na memória, mas durante todo o tempo em que estive em Portugal, isso nunca me aconteceu. Até que um dia o meu namorado, que estava morando em Liverpool, me mandou uma mensagem, revoltado: a camisa que ele tinha comprado foi entregue numa casa vizinha. E lá foi ele, por vários dias seguidos, bater na casa para tentar reaver a encomenda. Quando ele finalmente conseguiu ser atendido, uma senhora abriu a porta e começou a gritar, dizendo que não queria saber dele ali. Por sorte, veio do corredor um menino, trazendo o pacote e pedindo desculpas pela senhora louca.
Um tempo depois, quando eu fui visitá-lo na Inglaterra, estava em casa de boas quando o correio bateu na porta. O carteiro pediu que eu recebesse a encomenda de um vizinho. Eu tentei explicar que era só uma visita, que eu não conhecia o vizinho, mas o entregador foi insistente. Acabei aceitando e assinando o papel da entrega. O pacote do vizinho ficou por lá quase uma semana, até que ele foi buscá-lo.
Mas as melhores histórias sobre esse hábito dos carteiros foram em Berlim. Eu morei lá por cinco semanas e entrei num grupo de brasileiros em Berlim. Acabei descobrindo que a confusão entre entregas pode até gerar retaliações.
Um dos meninos achava incrível que, caso não estivesse em casa, o carteiro entregava a encomenda numa lojinha 24 horas ao lado do edifício. Essa virou uma regra entre todo mundo do prédio, de forma que, quando o entregador tenta entregar para um vizinho, já o encaminham para a loja.
A questão é que os entregadores em Berlim têm uma técnica, digamos, preguiçosa. “Eles só tocam em uma campainha e quem atender se fodeu”, contou um brasileiro, que também disse que certa vez, um homem da DHL ignorou seus pedidos de não receber nada e empurrou para dentro do apê dele, com o pé, as caixas do prédio inteiro.
Outro brasileiro contou que teve que tirar o interfone do gancho depois de dizer para o entregador que não podia receber um pacote. O cara se vingou grudando o dedo no botão do interfone por vários minutos. Quando ele olhou pela janela, a tal entrega para o vizinho era uma máquina de lavar.
Minha amiga Marcela tem a história mais trágica do grupo. Não tão trágica como a do computador desaparecido, mas ela teve 67 encomendas extraviadas em cinco anos. Ela tem a teoria de que isso foi fruto de uma vingança. Isso porque ela sempre falava para o entregador que não poderia receber as encomendas do vizinho porque ia viajar por dez dias. Eis que o cara voltou ao prédio e a viu. A situação se repetiu duas ou três vezes e, assim, as encomendas dela um dia pararam de chegar, a ponto dela ter que contratar uma caixa postal para resolver a questão.
Eu pesquisei sobre o tema na Internet e achei vários casos – muitos na Inglaterra, mas até um no Brasil. A verdade é que, na maioria das vezes, isso não deve dar tanto problema para as empresas de entrega, porque eles seguem com a prática. Normalmente, quem é responsável se a entrega nunca chegar ou chegar estragada é a empresa que você comprou – mas isso acaba ficando à mercê das leis locais de proteção ao consumidor e da boa vontade geral dessas empresas, que criam um empurra-empurra da culpa.
Algumas pessoas optam por colocar adesivos na porta com a frase “não aceitamos entregas de vizinhos”, o que ao mesmo tempo em que resolve o problema, te torna a pessoa mais antipática da vizinhança.
Uma mulher, num fórum, conta que levou um esporro do entregador porque ela começou a se recusar a receber as entregas quase diárias de sua vizinha. O carteiro ficou revoltado por ter que voltar na casa ao lado para tentar entregar novamente, ainda que a prática correta seja a tentativa de entrega por três vezes. Outro homem contou que, como nunca está em casa para receber seus pacotes, passou a levar mensalmente um bolo e agradecimentos para os vizinhos que recebem suas compras.
No Brasil, pelo que pesquisei, algumas transportadoras são adeptas da prática de entrega aos vizinhos. Para evitar que ocorra com você, o único jeito é, no momento da compra, naquela caixa de observações, deixar um aviso bem claro que autoriza a entrega somente ao seu endereço. Ou, quem sabe, você tem um vizinho amigo e autoriza a entrega a ele. Afinal, ainda existem boas vizinhanças no mundo, não é mesmo?
*Crédito Imagens: Shutterstock
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