Gurmeet Ram Rahin Singh: mestre espiritual, pop star, ator, agente político para muitos; indiano pode estar por trás de crimes hediondos, mas o sistema criminal do país não torna as coisas mais fácieis (Sunil Saxen)
(SÃO PAULO) - O SUV Lexus preto rolou sobre um tapete vermelho, passou por uma fila de garotas vestidas de branco com asas de anjos, homens descalços com turbantes que se agitavam conforme elas dançavam. Gurmeet Ram Rahin Singh havia chegado.
A multidão gritou com satisfação. Baterias soaram e o ambiente se encheu de confetes enquanto seguranças com rifles de assalto e câmeras de TV se estapeavam para alcançar o Lexus quando ele parou.
Enquanto descia do SUV, em suas calças brancas com paetês, a voz gravada de Singh era ouvida em uma música eletrônica. Muitos na multidão sabiam a letra: “você é minha, para sempre”. Um clipe acompanhava, começando com as palavras “O SANTO ROCKSTAR” na tela.
Singh está nesse dia em um subúrbio de Nova Délhi para promover seu vídeo antes da estreia em fevereiro. Originalmente intitulado “MSG: A Mensagem de Deus”, o filme é estrelado por Sigh no papel dele mesmo. Com 47 anos, ele não se encaixa nos padrões tradicionais de beleza masculina. Ele é imponente, com uma barba preta rebelde, cabelos longos e um bigode que marca olhos negros e intensos.
Singh é muitas coisas para muitas pessoas: mestre espiritual, pop star, ator, agente político. O Centro de Investigação Criminal (CBI) indiano ainda o vê como outra coisa. A agência o acusou formalmente em um tribunal de estupro e dois casos adicionais de conspiração em assassinatos.
O CBI também está investigando o cantor por supostamente convencer até 400 seguidores à castração, ainda que nenhum formulário de acusação tenha sido preenchido.
Em entrevista concedida à Bloomberg, Singh negou categoricamente as alegações de assassinato, estupro e castração. Ele disse que seu trabalho de vida é dedicado a caridade e empreendimentos espirituais.
A cena no subúrbio aquele dia parecia um circo. Como líder de uma organização religiosa com milhões de seguidores, Sigh atrai multidões enomes e encantadas onde quer que vá. Mais de 100.000 pessoas estavam amontoadas em tendas que cobriam um terreno sujo próximo a uma estação de metrô. Balões coloridos decorados com o rosto de Singh flutuavam no ar.
Cunsultas espirituais e espetáculos ao público são apenas um complemento ao que garante poder, riqueza e influência de homens bons em vilarejos empoeirados e megacidades latejantes: a disfunção que é a democracia indiana. No papel, a nação é governada por um primeiro ministro, parlamento e uma rede de oficiais locais; mas a realidade é formada mais frequentemente por corrupção, pobreza, burocracia moribunda e fronteiras constritivas de classe e contexto social.
Para homens como Singh, esse pano de fundo cria oportunidade. Oferecendo recursos básicos que o governo frequentemente não fornece e recebendo membros de castas mais baixas que são rejeitados pela maior parte da sociedade, os líderes religiosos acumulam congregações com milhões de pessoas. Cercados por aderentes que votam da forma como são compelidos a votar, os “homens bons” se tornam máquinas políticas.
Nas músicas de Singh, ele fala que seus seguidores são todos iguais perante o olhar de Deus, que os ricos e pobres estão no mesmo patamar. Milhares de pessoas usam roupas cáqui e verdes, estampadas com números que correspondem às datas em que se uniram ao grupo, que os identificam como membros da organização voluntária “Welfare Force” (força do bem-estar).
Não há uma doutrina religiosa formal, apenas princípios centrados em noções como caridade e tratar bem as pessoas. O foco em comum de todos os ativistas é apenas um: Gurmeet Ram Rahim Singh.
Mas quando os bons homens obtém status, as coisas podem dar errado. Em novembro, cerca de 200 pessoas foram feridas em confrontos entre a polícia no distrito indiano de Hisar e os seguidores de um “homem bom” conhecido como Baba Rampal, quando os policiais tentaram prendê-lo em envolvimento com um assassinato. O advogado de Rampal disse em uma entrevista que ele é uma pessoa “cumpridora da lei”, e ele negou todas as acusações na imprensa indiana.
Outro homem bom de fama nacional, Asaram Bapu, agora está na cadeia sob acusações de assédio sexual contra uma menor de idade. Um advogado de Bapu disse que seu cliente é inocente e que ele ganhou, ao invés de perder, seguidores.
Singh é acusado pelo CBI de estuprar duas mulheres de Haryana, o estado onde ele vive, entre 1999 e 2000. Ele também é acusado sob leis do país de conspiração criminal e assassinato em ligação com a morte de dois homens em 2002. Cópias dos relatórios de investigação – os documentos que formam a base das acusações de estupro e assassinato – chegaram ao conhecimento da Bloomberg.
As investigações iniciais começaram por uma combinação dos tribunais com a polícia em 2002. O CBI não preencheu documentos contra Singh até 2007, de acordo com esses documentos. Nenhum veredicto foi alcançado nesses casos. Longos atrasos em cortes indianas são comuns, e advogados das supostas vítimas de estupro e das famílias dos assassinados dizem que não estão surpresos com a demora.
A investigação em andamento a respeito da castração de seguidores de Singh envolve ate 400 vítimas.
Ao ordenar que o CBI examinasse o caso em dezembro, o juiz K. Kannan da Alta Corte de Punjab e Haryana escreveu: “em uma democracia, números são tudo. A influência que uma pessoa exerce com mentiras e apadrinhamento fora dos círculos espirituais pode fazer com que uma polícia poderosa não consiga evidências”.
Em entrevista concedida à Bloomberg, Singh negou o envolvimento em crimes e desmentiu que teria usado sua influência para evitar processos. Quando perguntado sobre a demora em suas investigações, ele listou doze atos de caridade realizados por sua organização, incluindo combate a drogas e prostituição.
“Então as pessoas que fazem dinheiro cometendo pecados, as pessoas que se beneficiam do mal que ocorre no mundo, elas não gostam do que fazemos e espalham sua sujeira sobre nós”, ele disse. “Essa é a coisa principal, meu jovem.”
O escândalo não assustou apoiadores ou diminuiu seu apelo, que tem alcance nacional. Enquanto fazia campanha para nas eleições estaduais no ano passado, o Primeiro Ministro Narenda Modi realizou um comício na cidade de Sirsa. É lá que Singh compõe, em um local chamado Dera Cacha Sauda, ou “o local da verdade real”. O Dera apoiou o partido publicamente nas eleições de Haryana, assim como na competição para ministro-chefe em fevereiro.
Em entrevista, Singh disse que não é amigo de Modi, mas que eles buscam as mesmas metas. “Em 2011 nós começamos unidades de higiene, e quando Modi Ji foi eleito, ele fez a mesma coisa (...) ele tem seguido todos os precedentes da Dera, e é por isso que eu o saúdo e apoio”, disse Singh.
Singh tinha apenas 23 anos quando foi nomeado chefe do Dera em setembro de 1990. Seus dois predecessores – a organização começou em 1948 – eram grisalhos conhecidos regionalmente como monges gentis.
Ele rapidamente estabeleceu ambições maiores. O Dera mudou seu foco de operações de um complexo de 25 acres em Sirsa para um local descrito por um tribunal como um lote de mais de 600 acres. A organização foi de mais de um milhão de seguidores para dezenas de milhões.
Junto com o crescimento, começaram os problemas. Uma carta anônima supostamente escrita por uma sadhvi (freira) surgiu em 2002, com alegações de que Singh teria a estuprado, além de outra mulher. Esse documento, e muitos outros que surgiram em uma série de casos, apresentam Singh como um líder cruel, com conexões políticas e a expectativa de obediência absoluta de seus seguidores.
A pessoa que escreveu a carta disse que foi levada a um quarto subterrâneo, onde Singh, sobre quem ela se referiu como “maharaj”, ou mestre, estava sentado em uma cama assistindo a um “filme azul” – eufemismo para pornografia – com uma pistola em cima de um travesseiro. Quando ela resistiu, ele disse que é deus e que poderia mata-la. “Portanto, o Marahaj fez sexo comigo”, disse a carta.
Um tribunal despachou um juiz em Sirsa para acompanhar o caso em setembro de 2002. O relatório desse juiz foi inconclusivo. Foi confirmado que Singh estava morando em uma “caverna palacial”, mas quanto ao “abuso sexual contra garotas”, o juiz escreveu que “a possibilidade desses atos não podem ser confirmadas”. A autoria da carta nunca foi identificada publicamente.
As suspeitas da Dera sobre a circulação da carta caíram em um homem chamado Ranjit Singh, um membro antigo da organização que saiu em 2000 e mais tarde retirou sua irmã e duas filhas, de acordo com um relatório do CBI. Três homens da organização visitaram Ranjit e o disseram para “se desculpar” com o líder “caso contrário, tinham ordens de Baba Gurmeet para mata-lo”, disse o CBI. Ranjit se recusou.
No dia 10 de julho, Ranjit dirigia sua motocicleta rumo à fazenda de seu pai – eles eram ricos senhores de terras – com chá para alguns trabalhadores no campo. Quando foi embora, quatro homens saíram de um campo de cana de açúcar e começaram a atirar. Ele morreu na hora, de acordo com documentos do CBI.
Nesse meio tempo, um editor de jornal em Sirsa chamado Ram Chandler Chhatarpati publicou artigos a respeito da carta anônima. No início de outubro, um emissário do Dera visitou esse editor e disse a ele para parar de escrever, “ou então ele seria morto, por ordens de Baba Gurmeet”, disse o CBI. Em 23 de outubro de 2002, Chhatarpati escreveu um artigo sobre o tema.
Na noite do dia 24 de outubro, aproximadamente às 19h45, Chhatarpati sentou-se para jantar com sua família quando ouviu o grito de dois homens. Ele foi para a rua e seus filhos o seguiram, disse um de seus filhos em uma entrevista recente concedida à Bloomberg. Enquanto eles assistiam do jardim, um dos homens pegou uma pistola e os tiros começaram. Relatórios policiais relatam encontrar cinco cartuchos do revólver e quatro balas no corpo.
Um relatório disse que os homens eram carpinteiros que trabalhavam na Dera. A polícia recuperou uma postila pertencente a um oficial da Dera, que confessou tê-la dado aos dois, de acordo com os documentos. A CBI concluiu que nas mortes de Ranjit Singh e Chhatarpati, Gurmeet era parte de uma conspiração. Ele foi acusado em ambos os assassinatos, de acordo com os papéis.
Cerca de quatro anos depois das mortes, uma mulher, que antes foi sadhvi, se reuniu com investigadores em julho de 2006 e disse que Singh havia a estuprado. Ela já tinha sido entrevistada pela CBI antes, mas disse a investigadores que não havia falado nada antes porque tinha medo que sua família a rejeitasse e porque Singh tem “um grande número de seguidores, incluindo políticos”. Outra mulher entrou em contato com alegações similares, de acordo com o CBI.
O Dera, segundo Singh, é um local de bons trabalhos. Em um tour pelo estabelecimento, durante o qual o repórter estava sempre acompanhado de guardas, ele contou histórias sobre curas miraculosas de câncer, alcoolismo, depressão, um tendão distendido e problemas no trabalho.
Ele chamou um grupo de pessoas para responder à pergunta “de que forma as bênçãos de Gurmeet Ram Rahim Singh o afetaram?”
Um homem vestido com um casaco marrom empoeirado sobre uma camiseta com o rosto de Singh e as letras MSG respondeu: “a vida mudou de uma maneira tão incrível que está além de descrições”.
Hans Raj Chauhan, o homem cuja castração gerou as investigações sobre o assunto, descreveu o Dera como um lugar onde os homens têm suas “mentes lavadas”, de acordo com documentos do tribunal. Ele forneceu uma lista de sete seguidores de Singh que teriam sido castrados sob seu comando – “seguidores fervorosos de Gurmeet Ram Rahim” que “estariam dispostos a morrer por ele”, disse.
Quatro atestaram em entrevistas com a corte que não tem testículos, e três disseram que foram esterilizados. Todos os sete afirmaram que os procedimentos não tiveram relação com Singh e recusaram-se a realizar exames médicos.
Chauhan também forneceu uma lista detalhada, incluindo os vilarejos e nomes de membros de famílias de 166 ex-sadhus, ou monges, do Dera, que teriam sido castrados. Ele disse em uma entrevista que sua própria operação foi precedida de um copo de Pepsi, para seu conforto. Segundo ele, ao perguntar a Singh quando teria seu encontro com Deus, o líder respondeu: “você não sabe que eu sou Deus?”
Singh disse em uma entrevista que não usa esse tipo de linguagem. “Eu não me considero um homem bom, eu me considero um homem simples”.
Do lado de fora do Dera, as ruas são cheias de pôsteres de Singh – em cima de uma moto, tocando uma guitarra, pedindo seguidores no Twitter, flutuando entre nuvens. Caixas de som nas ruas transmitem a voz do líder em um intervalo tão regular que parece que ele está seguindo os visitantes conforme se aproximam da sede.
A seção desenvolvida do local lembra uma cidade pequena. Há um estádio de críquete, uma faculdade afiliada a uma universidade estadual e o Shining Magic Grand resort – em frente à Saint MSG Glorious International School – com réplicas da Torre Eiffell, uma cabela gigante de cavalo e uma pagoda asiática.
Também há um hospital com 400 camas com o prédio principal em formato de coração. Ele contém três prédios em seu interior que, quando visto por imagens de satélite, formam as iniciais do nome do líder atual.
Quando Singh anunciou em sua conta no Twitter que seu vídeo estava pronto para ser lançado após controvérsias com o escritório de censura da Índia, seu nome foi editado sutilmente para “MSG: O Mensageiro”. As palavras “de deus” foram removidas.
Ao final do evento de promoção do vídeo em Nova Delhi, ele foi para a parte de trás de sua tenda e subiu quatro degraus vermelhos para um assento preto e vermelho de tamanho exagerado. Uma prévia do filme foi apresentada em imagens borradas de danças, multidões e explosões – tudo acontecendo enquanto Singh batalha contra as forças negras do vício em drogas e da crise social da imoralidade.
Ele levanta de sua cadeira com um microfone. Aplausos explodem. Homens levantam e começam a gritar.
“Eu posso ver vocês”, Singh diz. “Eu posso sentir vocês”.
Por: InfoMoney : Bloomberg
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